Uma das coisas que me apaixonam em Seinfeld é o tratamento dado à linguagem. Em vários episódios situações hilárias são criadas em função de mal-entendidos (S1, Ep1: Jerry hospeda uma mulher, e ele não consegue descobrir se ela quer algo a mais ou não) ou de frases ambíguas (S6, Ep8, ‘The mom and pop store’: Jerry fica em dúvida se foi convidado para uma festa).
No episódio ‘a aposta’ (S4, ep11), os quatro amigos (Jerry, Kramer, George e Elaine) apostam para ver quem aguentaria mais tempo sem se masturbar (tudo começa porque o George foi flagrado pela mãe se masturbando com um catálogo de roupas femininas). Um dos aspectos geniais do episódio é que eles nunca usam a palavra “masturbação”, o ato é sempre referido com o uso de eufemismos.
Na Escolinha do Professor Raimundo, a personagem Dona Bela sempre via alguma conotação sexual nas perguntas que o professor lhe fazia. E concluía sua participação com a frase: Ele só pensa naquilo!
O eufemismo é uma figura de linguagem bastante conhecida. É uma estratégia linguística que torna mais amena uma afirmação que poderia soar rude ou grosseira. Assim, tirar a água do joelho, esvaziar a bexiga, se aliviar, fazer o número 1, são formas mais brandas de se referir a urinar, mijar ou fazer xixi. O campo dos excrementos é uma fonte particular de palavras tabu, e como consequência de expressões eufemísticas.
A morte também é um tipo de tabu. Assim, preferimos passou dessa pra melhor, descansou, abotoou o paletó de madeira, foi pro céu, foi para as trevas ao invés das expressões mais frias, morrer, falecer, perecer. Resumindo, o eufemismo é um recurso linguístico que visa obter a mesma descrição de um estado de coisas, mas sem os aspectos conotativos que possam ser ofensivos ao ouvinte.
Com os palavrões algo parecido ocorre. Ao invés de usarmos o palavrão, podemos usar estratégias para contornar seu valor ofensivo, e ainda assim conseguir alguns dos seus efeitos discursivos (surpresa, admiração, raiva etc.), embora, com o abrandamento de seus aspectos ofensivos ou obscenos.
Antônio Sandman escreveu um pequeno texto (Revista Letras, n. 41-42, 1992-3), em que discute estratégias linguísticas de abrandamento dos palavrões. Essas estratégias envolvem diferentes recursos linguísticos, através dos quais, essencialmente, operamos sobre a forma da expressão. Mandar alguém pra puta que pariu é diferente de mandar alguém pra PQP. Nas palavras dele, o abrandamento é uma de “dizer, não dizendo” ou de “não dizer, dizendo”.
Vamos a elas:
– abreviação I (uso de uma ou várias letras iniciais da expressão): estar numa m, PQP, estar pê da vida, CDF, VSF;
– abreviação II (pronúncia apenas das sílabas iniciais da palavra): mi fu, a fu (a fuder), si fu, paca (cf. pra caralho/cacete), aspone (assessor de porra nenhuma), demo, pô (porra, suponho);
– modificação de fonemas (um ou mais de um): degraçada/desgracida/desgramado/desgranido, poxa/puxa/porra, caralho/caraca.
– Substituição de algum termo da expressão: filho da mãe/filho da puta, vá tomar banho/vá tomar no cu;
– Substituição por pronomes: mandar para aquele lugar, tomar naquele lugar, só pensar naquilo.
– Paráfrase ou circunlóquio: tirar a água do joelho, as partes de baixo.
Do ponto de vista pragmático, os palavrões podem estar em diferentes Atos de Fala. No caso da ofensa, tenho minhas dúvidas se um ato de fala ofensivo cumpriria seu efeito perlocutório (o ouvinte se ofender), se ao invés da expressão ofensiva o falante escolher um abrandamento. Seu M! não me soa tão ofensiva quanto Seu merda!, nem Vá tomar naquele lugar em comparação com Vá tomar no cu.
Sobre esse aspecto, Sandman nota que em algumas situações sociais o palavrão não cumpre a sua função, o que ele considerou um ‘jogo de faz de conta’. Ele cita a situação do encontro entre dois amigos, em que um, ao avistar o outro, grita do outro lado da rua: “Ô baixinho filho da puta!”. Tem quem diga que quanto mais ofensiva for a forma como dois homens se xingam, maior é a intimidade entre eles.
Um dos aspectos importantes do palavrão é que seu valor ofensivo é subjetivo. Minha mulher acha muito grosseiro dizer mijar, por ex. Tem quem se ofenda por ouvir um merda. O abrandamento, então, me parece, no caso da ofensa, que visa o mesmo efeito (ofender o outro de alguma forma), mas sem apelar para a ofensividade do palavrão.