O playboy e a diarista que anda de Nissan

Fui ler o Rodrigo Constantino. Num desses desatinos de professor que procura textos por aí pra levar alguma coisa diferente pra ler na aula. No seu blog, caí num texto em que ele mostrava como o sistema americano de relação patrão-empregado é melhor que o brasileiro e relatava a sua experiência ao contratar uma diarista em Miami. Lá as diaristas andam de picape Nissan e negociam o preço do trabalho diretamente com o empregador. Não existe essa coisa de sindicato, de direitos trabalhistas. O mercado se autorregula, diz ele.

Ele sabe que o mercado sempre se autorregulou no Brasil, eu suponho. Que diaristas e domésticas nunca tiveram direitos trabalhistas, uma conquista recente. E que mesmo depois disso, diarista de fato, aquela que vem na casa do sujeito, digamos, uma vez por semana, ou a cada quinze dias, continua não tendo direitos. Não sou obrigado a pagar FGTS, assinar carteira, e o escambal pra diarista que vem aqui em casa de vez em quando.

Se era tão bom um sistema sem direitos trabalhistas, por que nunca vi diaristas vindo ao trabalho com carrões? Uma diarista ganha em média R$120 por dia, na semana, R$600, no mês, R$2.400. É mais que muito salário inicial na carreira de professor por esse país afora. Mas eu pergunto, que diarista de fato consegue fazer essa grana por mês? Eu duvido que ele encontre uma.

A gramática e a escola

Quando se trata da língua portuguesa todos possuem uma opinião na ponta da língua. Claro, como toda opinião, assim como grande parte do conhecimento popular, não passa de um mito ou um conhecimento raso do tema, não ultrapassando o óbvio senso-comum. É provável que os pais não ousem contestar o currículo de ciências da escola em que o filho estuda, embora aposto que qualquer pai vai reclamar caso o filho não esteja aprendendo gramática nas aulas de língua portuguesa. Mas, se não se ensina gramática na disciplina de língua portuguesa, o que o professor ensina então?

O equívoco desse lugar comum fica claro na reportagem de capa da revista Veja (08/10/2010). O texto da reportagem critica a falta de clareza e habilidade de expressão oral dos candidatos, particularmente Dilma e Serra. Nada contra isso, tudo contra a deixar subentendido que conhecer as regras do português padrão escrito (o que os leigos chamam de ‘gramática’) seja a solução para um problema que poderia ser solucionado com algumas aulas de oratória ou retórica (cursos que nem existiriam se as aulas de língua portuguesa cumprissem seus objetivos).

Conhecer fragmentos de regras do português padrão escrito (concordância e regência, não abusar nos estrangeirismos etc.) não é pre-requisito para a boa expressão oral e escrita, nunca foi. Na verdade, o que as pesquisas em linguística aplicada provam é justamente o contrário. E isso já vem sendo discutido nos cursos de letras no Brasil e no mundo e ensinado aos professores de português há pelo menos 30 anos! Por que então se perpetua essa bobagem de que conhecer gramática é fundamental para a boa expressão oral e escrita? Ninguém nega que conhecimento do português padrão seja importante, mas SÓ o conhecimento gramatical não produz bons escritores e oradores.

Acredito que o primeiro problema se deve à pouca presença da ciência da linguagem no ideário científico e popular. Ninguém nega que física, química ou biologia sejam ciências, embora mesmo cientistas de outras áreas ainda acreditem que o que um linguista estuda é gramática. Sim, estudamos a gramática também, mas o que chamamos ‘gramática’ é algo totalmente diferente do senso-comum. Além disso, os avanços da ciência da linguagem ainda não adentraram completamente nos currículos escolares e nos livros didáticos. Há dois avanços significativos que acredito que os pais verão nos livros das crianças, principalmente no ensino fundamental. O primeiro é o foco no estudo do texto: muitas atividades de leitura, interpretação e produção textual. O segundo é a valorização das diferentes formas regionais de falar o português brasileiro (mas sinto que o preconceito em relação a isso ainda é muito forte). Se o aluno do ensino fundamental (EF) chegar ao ensino médio sabendo se expressar oralmente e por escrito com competência, sabendo adequar a sua fala aos diferentes contextos de uso da língua na sociedade, o ensino de português terá atingido seu objetivo.

O que tem acontecido é: o aluno chega ao final do EF e tem uma ideia vaga do que sejam as classes de palavras e não se expressa por escrito com competência. É como se por saber as regras do futebol o sujeito fosse obrigado a saber jogar o esporte com proficiência. Quanto ao ensino médio, ainda vemos aqueles livros didáticos confusos que mesclam literatura, conhecimento gramatical (classes de palavras, morfologia, concordância, regência e análise sintática), rudimentos de análise do texto (coesão, coerência, tipologia textual que não passa da trindade dissertação-descrição-narração) e alguma produção textual. O aluno tem um conhecimento superficial de cada coisa. Com um programa recheado desses, por sorte o professor vai conseguir fazer uma produção escrita por semestre, considerando que tem que dar conta do “conteúdo”. Não há prioridades e temo que “expressão escrita em diferentes gêneros” não seja item de programa de língua portuguesa em escola nenhuma na cidade. Também temo que se o cenário não seja esse, seja pior: os alunos possuem aulas de língua portuguesa e aulas de redação ou produção textual em horários separados, como se essas coisas fossem diferentes. O resultado é o mesmo, o aluno sai da escola com a sensação de que a língua portuguesa é uma ciência exotérica e que ele não sabe se expressar por escrito. Ou, se se sente confortável pra escrever, vai dizer que não sabe gramática.

A sociedade contemporânea exige que seus sujeitos saibam de expressar por escrito e oralmente com competência; que saibam ler e interpretar um texto corretamente. Sem essas habilidades básicas, o sujeito penará para entrar na faculdade; penará para chegar ao fim dela, quando terá calafrios com a iminência do trabalho final de conclusão de curso; e se verá obrigado a fazer um cursinho de português para concursos porque sempre haverá ‘língua portuguesa’ nos conteúdos para concursos públicos; sem falar da iniciativa privada, saber se comunicar oralmente e por escrito é fundamental. Se a nossa escola não tem cumprido essa função, está na hora de ela começar a rever as suas prioridades. Pelo menos que ela aplique o que em teoria já existe há 12 anos, os Parâmetros Curriculares Nacionais.

Mas não há como os pais reclamarem que os currículos de língua portuguesa não se atualizam. Assim como a religião, a moral e os bons costumes, a gramática ainda é aquele tipo de conhecimento que todo pai espera que seu filho conheça e obedeça. Só que a sociedade não percebe  é que a ciência mudou muito nos últimos quarenta anos (Plutão nem é mais planeta, por ex.) e que podemos incluir a nossa língua portuguesa nesse conjunto. Apesar dos alardes dos puristas e outros reacionários, nossa língua vai muito-bem-obrigado, com estrangeirismos, gerundismos, msn, twitter e tudo.

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Eu escrevi esse texto na época das eleições, no ano passado. Provavelmente esqueci de publicar e hoje fuçando nos arquivo da minha pasta ‘in progress’, onde armazeno os textos em que estou trabalhando (sabe como é, férias, época de fazer uma faxina no escritório e nos arquivos do pc também).

“Palmadinha fora da lei”

Esse é o título da matéria da Veja do dia 21/07/2010. Não sei até que ponto o estado tem o direito de intervir na educação dos filhos de alguém, mas sei que o estado tem o DEVER de zelar pela integridade física e moral dos seus cidadãos.

Não agradeço aos meus pais por terem me batido, e se um dia vier a ter filhos não farei isso. Pelo contrário, cresci com medo do meu pai, e esse medo nunca me impediu de fazer coisas erradas.  Ou como disse Don Draper (personagem do seriado Mad Men) para sua esposa quando ela lhe disse que ele deveria bater no seu filho, ele respondeu que não bateria no menino, porque ter apanhado do seu pai só fez com que ele (Don) o odiasse.

O medo da punição nunca preveniu ninguém de fazer coisas erradas. Todo adulto sabe das consequências de um crime, mesmo assim comete. Agora pense numa criança, que desconhece os limites e não entende perfeitamente a sua existência. É a psicologia de dar um reforço negativo para atos considerados reprováveis. O problema é que os pais esquecem de reforçar os positivos, que são os mais importantes, mas um ser humano não é um cão para quem um biscoito serve como um reforço positivo.

Há cientistas que acreditam que o ambiente tem pouca influência na nossa personalidade e no nosso comportamento. Claro, o fato de eu ter apanhado quando criança nunca fez de mim uma criança violenta, porque eu não sou uma pessoa violenta. Já meu irmão mais novo vivia brigando na escola… Meus irmãos mais velhos batem nos filhos, e não raras vezes nas suas vidas usaram a violência como forma de resolução de conflitos, que ao invés de resolverem os conflitos, criaram novos. Moral da história, bater no seu filho não vai fazer ele ser alguém diferente, ele vai fazer coisas erradas simplesmente por não saber o que é o certo e o errado, ou pela adrenalina. A “palmadinha” pode ser uma forma de castigo, e definitivamente não é uma demonstração de amor.

Repórteres da Veja e defensores da punição física SABEM que uma palmada não é SÓ uma palmada, e não raro filhos servem de saco de pancada onde pais descarregam a sua frustração.