O esporte favorito do professor é reclamar de aluno

Essa semana um professor universitário rateou no Twitter que os alunos não leem os textos das aulas. O tuíte rendeu um pequeno bafafá. Para ele, é difícil entender esse comportamento, já que, em tese, esses alunos estão num curso que escolheram.

Como é costume meu, lá vou eu falar da minha experiência na coisa. É o que consigo oferecer.

Fiz graduação numa época difícil, fim dos anos 1990, início dos 2000. Eu não tinha grana para comprar os livros de inglês e sempre me faltava para tirar cópias dos textos. A biblioteca da FAFIUV na época era ridícula de pequena e também não tinha material para todos os alunos. Lembro de que comprei apenas os Fundamentos da Linguística contemporânea, do Edward Lopes naquele primeiro ano. Foi o que deu pra fazer. A professora de sociologia passava uma carga grande de leituras e não li a metade, até onde me lembro. Mas outras disciplinas eram mais tranquilas, como a Teoria Literária, que não tinha lá muita leitura teórica. Ou vai ver eu não tinha grana pro xerox mesmo e me virava assistindo as aulas, fazendo anotações ou emprestando o texto do povo.

Claro, aos poucos fui comprando outras coisas, como uma gramática, um bom dicionário de inglês… e ao final do curso eu tinha um pequeno acervo. Pequeno mesmo.

Como professor eu gosto de dar leitura pra moçada, mas ao mesmo tempo tenho consciência de que o público do curso de Letras é, na sua maioria, um povo que também trabalha, mora longe, vive com grana contada etc. As disciplinas que eu leciono são mais ‘técnicas’, digamos assim, o que me permite assumir ali um livro texto e não ficar entupindo eles de referências. A vantagem dos livros-texto é que eles apresentam o conteúdo básico e essencial da área. Quando quero discutir algo a mais coloco como referência complementar e sugestão de leitura. Hoje temos a vantagem de digitalizar os textos, assim ninguém mais precisa ficar gastando com fotocópia. Sem contar que o preço dos livros não é tão caro assim e as editoras volta-e-meia fazem promoções.

Perguntei aos meus alunos se eles conseguiam vencer a carga de leitura das disciplinas que estavam cursando. Ninguém disse que conseguia. Se nas minhas disciplinas imagino ali um conteúdo por volta de 15-20 páginas/aula, certamente tem professores que pedem mais. Muito mais. Não os julgo. Também adoraria usar o manual do Saeed (Semantics, Blackwell) com 500 páginas.

No mundo ideal, nossos alunos se dedicariam exclusivamente ao estudo em sala de aula durante 20h por semana, o que sobraria outras 20h para leitura e outras atividades. Pesquisas mostram que 61,8% dos alunos de instituições privadas trabalham, enquanto nas instituições públicas o percentual de alunos que trabalham é de 40,3% (Agência Brasil: https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2020-05/mapa-do-ensino-superior-aponta-para-maioria-feminina-e-branca).

Que os alunos não leiam não me surpreende. Acho até que eles tentam (tá, eu sou um bom moço que acredita ainda na boa disposição dos jovens para o aprendizado). Mas é aquela coisa, tem dias em que o que o aluno quer é maratonar o livro que está lendo por prazer (risos) e talvez a nossa aula seja aquela aula porre que o aluno vai só porque é obrigatória mesmo.

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Documentário: O silêncio dos homens (Youtube). Vi semana passada. Documentário extremamente necessário. Tenho pensado muito sobre masculinidade tóxica (também porque tenho lido muitas mulheres, sempre gostei de lê-las, a propósito) e a dificuldade dos homens em falar dos seus sentimentos é só mais uma faceta dessa cultura masculina heteronormativa que só faz mal a todo mundo.

Dario. (Caio R. Bona Moreira, Humana). O livro faz parte da coleção Biografemas. Além dos traços típicos da biografia, o livro é o relato de uma jornada pessoal. Dario Velloso foi objeto da tese de doutorado de Caio e nesse relato curto o autor se volta para a busca pelo escritor enquanto personagem, tocando em vários aspectos da vida do biografado, um dos grandes nomes da poesia curitibana simbolista e grande personalidade da capital paranaense no início do séc. XX.

Algumas questões sobre a pirataria

Ando meio preguiçoso pra escrever, por isso a falta de atualizações por aqui. Falta assunto, às vezes, claro. Como o George, de Seinfeld, que num episódio percebe que é um sujeito sem ter muito o que dizer, mas daí Jerry diz pra ele: “tá, mas por que você me liga 6 vezes por dia?”. Por que eu escrevo tanto no facebook então? Bom, por que falar de pirataria? Porque é um assunto confuso e do qual pouco entendo, e parece que pouca gente faz questão de esclarecer, colocando no mesmo saco o carinha que baixa música simplesmente porque não tem dinheiro pra comprar um cd de R$40 ou o site de armazenamento online de arquivos (que ganha com publicidade e assinaturas para download mais rápido). No fundo o que deixa as corporações mais chateadas deve ser o fato de que alguém está ganhando dinheiro com o produto delas.
Talvez possamos dividir a pirataria em duas principais categorias: a) aquela que rende dinheiro pro pirata, e b) aquela que não rende dinheiro pro pirata, que consegue o produto de graça. A ocasião faz o ladrão: é de graça, por que vou pagar? Veja que no caso (a), podemos ter todo tipo de pirataria: digital (dvds que são vendidos nas ruas, armazenamento online de filme cujo site vende subscrição, etc.), intelectual (acesso free à livros, o library.nu está cometendo um crime? Acho que a Cambridge e a Oxford University Press diriam que sim), outros (bolsas de grife, tênis, camisetas de time, mochilas, bonés, etc.).
Acho muito raso colocar a culpa no sujeito que baixa música ou filme, no pós-graduando que baixa um livro (como se ele fosse imprimi-lo e saísse vendendo cópias pelo campus), ou no carinha que compra um boné falso da Nike ou da Adidas (afinal, ele só quer usar uma marca pela qual ele não tem condições de pagar o preço pelo original). Sabe-se que o grande custo de muita coisa chama-se ‘valor agregado’ (já se perguntaram por que o Neymar ganha o que ganha?). Não é o custo de produto em si, mas o quanto as pessoas querem ele. Claro que um tênis de R$400 deve ser de ótimo qualidade, mas quando muitas pessoas tem acesso a ele, é óbvio que o objeto perde o seu caráter de exclusividade (por isso edições limitadas de qualquer coisa são caras).
O foco do combate à pirataria não deveria ser os blogues que compartilham linques, deveria ser os sites que armazenam arquivos sem controle de quem está subindo o quê; a polícia deveria retirar os produtos dos grandes contrabandistas que importam tênis pirata da China ou do Vietnã e não do ambulante que só vende isso porque não tem outro emprego. Recomendo fortemente o filme ‘Steal this film’ (I e II), dá pra baixar por vários lugares. Acho a discussão interessante, porque ela foca na questão da revolução do compartilhamento de informação, algo ao qual a indústria do entretenimento ainda não se adequou. Há outra forma de consumir conteúdo e os produtores de conteúdo deveriam se adequar à isso. Entre não ganhar nada e vender um DVD por um preço honesto (digamos R$5), parece que as indústrias preferem não ganhar nada; entre não ganhar nada e vender uma música por um preço honesto (digamos uns R$0,50) preferem vender por (R$2); Agora pense no caso das outras formas de pirataria (mochilas, bonés, camisetas, bolsas, tênis, etc.). Uma fábrica de tênis ou de camiseta de time não deve ser no fundo de um quintal ou num barraco qualquer em uma favela paulista, carioca ou mineira, precisa ser num lugar com acesso fácil à logística e funcionários. Agora me diz por que eu nunca vi uma manchete do tipo: fechada fábrica que produzia mochilas pirata? Preso empresário que fabricava camisetas falsas de time sem pagar direitos de uso de imagem? Tem a questão da geração de empregos, que creio que se resume a uma forma de escravos de jó, tira-se os empregos da produção ilegal de produtos e se coloca para a produção legal (além da geração de dividendos advindos de impostos de importação e comércio legal), não seria legal se voltássemos a ter lojas de cd, lp e dvds? Seria, claro, mas infelizmente o caminho é sem volta. Como a lojinha da sua cidade pequena vai competir com Livraria Cultura, Fnac, Saraiva, Amazon que vendem barato e em compras altas dão frete gratuito dá pra acumular pontos pra descontos em compras futuras? As locadoras também tendem a morrer (a Blockbuster que o diga), é mais fácil assinar uma Netflix, um Terra TV, baixar um filme, alugar online, comprar pela tv por assinatura do que sair de casa e ir até a locadora.
Antes de terminar, queria falar um pouco dos livros. No Brasil temos o que me parece já ser uma tradição de fotocopiar livros e capítulos de livros em universidades. Quando estive nos Estados Unidos não vi nada parecido com as nossas fotocopiadoras universitárias. Nos cursos que fiz os professores disponibilizavam os textos das aulas digitalizados nas suas páginas ou na página do curso com acesso restrito só para quem estivesse matriculado na disciplina. Mas não vi fotocopia ou digitalização de livros, apenas capítulos. Na biblioteca da universidade havia scanners disponíveis se você quisesse digitalizar um texto e se quisesse fotocopiar alguma coisa também tinha fotocopiadora que funcionava por créditos que se colocavam no cartão da biblioteca. Tá, e se na disciplina o professor decidisse utilizar um livro texto? As pessoas compram o livro, claro. Sempre tem um ou outro com uma versão digital do livro, mas são poucos. Aqui as coisas se invertem, quem compra o livro é minoria. A consequência disso é que se vende pouco livro universitário no Brasil, logo as editoras publicam poucas unidades em cada tiragem, o que encarece os custos de produção (trabalhei em gráfica e sei que o custo de produzir 1000 ou 2000 livros é pouco do menor para o maior). Só que não adianta a editora produzir 2000 livros que levarão 10 anos para serem vendidos. Me incomoda o fato de não ter uma livraria dentro da minha instituição de ensino superior que se tanto se orgulha de formar professores (que não consomem livros!). A questão não é apenas a inexistência da livraria, nem o custo do livro em si. É a falta de incentivo público: o governo poderia subsidiar livros universitários, dar um auxílio-livro para professores universitários e professores da educação básica, uns R$50 mensais pra mim estaria muito bom, dá pra comprar um ou dois livros por mês. E quando o livro está esgotado? Aí não tem jeito, me desculpem, mas copio mesmo. Eu queria muito adquirir o livro do G. Frege “Lógica e filosofia da linguagem” que há muito tempo estava fora de edição (descobri escrevendo esse texto que tem uma edição nova de 2009 da Edusp), procurei em sebos e nada. Não copiei o livro, mas eventualmente iria fazer isso caso o livro não fosse relançado, felizmente o foi.  Pra finalizar esse ponto, não acho problemático copiar capítulos de livros ou periódicos para uso acadêmico.
A humanidade sempre compartilhou informação, excluir quem não pode pagar por ela é injusto, no mínimo (assim como a Capes limitar o acesso aos periódicos que assina às instituições com pós-graduação strictu senso, pelo menos foi o que me disseram como justificativa para a FAFI não ter acesso ao portal de periódicos da Capes). Nos anos 80 e 90 copiavam-se fitas k7 e fitas de vídeo-k7 deliberadamente, dava trabalho, mas era comum pedir a um amigo pra copiar um lp, cd ou fita mesmo para outra fita. Acho que pelo andar da carruagem daqui a pouco vamos ter que pedir praquele amigo que assina sky para gravar os episódios das séries para distribuir aos amigos ou praquele que comprou o mp3 do disco novo do Radiohead pra passar pro meu pen-drive. O compartilhamento sempre vai existir, a indústria querendo ou não.

Linques:

Quem fatura com a pirataria

Roube este filme

RIP! a remix manisfesto (documentário sobre mashup que também discute a questão dos direitos autorais e supostas violações)

Questões jurídicas da fotocópia na universidade