Eu queria

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Room in New York, Edward Hopper (1932)

Eu queria ficar em casa porque quero ficar em casa, não porque sou obrigado a ficar em casa. Eu queria aprender a fazer pão com fermentação natural não porque agora eu tenho mais tempo pra isso, mas eu quero fazer pão com fermentação natural para entender o tempo que o pão leva para crescer, sem os atalhos que a ligeireza do cotidiano nos obriga a tomar usando fermento tratado quimicamente para crescer mais rápido, porque cozinhar é entender o alimento e suas transformações, não juntar ingredientes numa tigela e torcer para que saia alguma coisa comestível dali de dentro.

Eu queria fazer um diário, porque eu sempre quis fazer um diário, não porque, sem muita ideia do que escrever, muita gente resolveu fazer um diário. Mas eu já disse que abandonei o diário (porque eu sempre abandono os diários que começo) e agora estudo o que eu estudaria de qualquer jeito e escrevo as coisas que escreveria de qualquer jeito, porque é isso que a gente que lida com a palavra faz: lê e escreve.

A sociedade me paga também pra isso e é isso que sigo fazendo, nessa faina infinita de produzir artigos e dar pareceres sobre os artigos dos outros. Eu queria fazer um diário porque eu gosto dos diários, porque é uma forma da gente se conectar com outras realidades, outros universos e perceber que está todo mundo junto nessa e que por mais que seja mais gostoso passar o confinamento numa cobertura em Ipanema, o escritor sofre as mesmas angústias que eu sofro num apartamento sem sacada em Curitiba.

Ainda sinto falta dos bifes à milanesa do Levrero, e das suas intermináveis tentativas de configurar programas inúteis em Visual Basic. Eu poderia falar das inúmeras horas perdidas tentando passar uma missão difícil de Command & Conquer, mas eu não jogo mais vídeo-game. Tentei, nas primeiras semanas do confinamento jogar Forge of Empires online. Nunca fui bom com vídeo-games. E ninguém quer saber como eu passo meus dias tentando não atrapalhar o processo de alfabetização da minha filha mais velha e preocupado com a mais nova de dois anos que, tudo indica, está atrasada na aquisição da língua falada. Tipo, muito atrasada.

Queria economizar porque eu aprendi a economizar e a administrar melhor as contas da casa, não porque agora estou gastando menos com várias coisas, não porque não gasto mais com coisas que antes gastava. Gasto menos com gasolina, porque não saímos. Gasto menos com restaurantes, porque comemos bem menos fora.

Arriscamos uma pizza e uma comida japonesa nesses dias (o dia dos namorados agora é também o dia nacional da comida japonesa), mas logo a gente fica se perguntando: Lavaram as mãos? Ninguém espirrou ou tossiu em cima da comida? Esses peixes são frescos e foram bem higienizados? O que eu faço com a caixa de papelão, se o papelão tocou na comida? E essa barca de plástico, estava limpa? Mas o Hot Filadélfia está tocando no plástico… melhor não pensar demais… e o pepino! meus deus, será que lavaram direito o pepino? Tomara que o vinagre da saladinha de pepino agridoce mate o que tiver que matar.

Queria economizar com farmácia vendo as minhas filhas pegarem menos viroses e alergias, não porque são obrigadas a ficar em casa longe de outras crianças, de quem pegariam viroses, ou longe de lugares em que seriam expostas a poluentes e outros materiais que poderiam desencadear nelas alergias respiratórias. Queria que a saúde delas se reforçasse pelo caminho natural, não por estarem menos expostas a vírus e bactérias e a todas essas outras coisas que fazem as crianças terem que tomar vacinas e xaropes.

Queria ficar sem ver meus amigos porque naquele final de semana não deu para ver meus amigos porque a preguiça falou mais alto ou porque apareceu outro compromisso, não porque agora ninguém pode mais ver os amigos, porque mesmo se a gente estiver confinado, ao nos vermos deixamos o confinamento e vamos expor uns aos outros e aqueles com quem temos contato em casa.

Eu queria tanta coisa. Mas no final do dia a gente guarda esses anseios todos sob o travesseiro e tenta dormir com eles te atrapalhando o sono.

Notas

35

– Tenho me concentrado na escrita de um livrinho de divulgação de linguística, pensado para o público em geral, mas especialmente para o ensino médio. As introduções à linguística que circulam pelo país me soam todas entediantes e escritas para o universitário. O diletante não passaria do segundo parágrafo das nossas introduções mais vendidas. Minha ideia é contar um pouco da história da linguística e falar um pouco de suas áreas duras hoje, encarando a linguagem como um objeto científico. Vamos ver como me saio.

– Por conta disso vou dar um tempinho na ficção. Nas últimas semanas submergi na revisão de um romance que eu queria muito finalizar e acho que dei o meu melhor. Mudei o final, que não me satisfazia. E acho que agora estou um pouco mais feliz com ele, embora ainda não totalmente. Tem partes que eu gosto muito e outras nem tanto. Não sei ainda como tirar isso da gaveta. Acho que vai ser pela Amazon mesmo. Mandei a proposta para uma editora em 2015 e não fui respondido. Daí desanimei. Talvez devesse tentar de novo.

– Eu tinha começado um diário e meio que larguei mão. Minha última entrada foi em 25/05. Talvez porque a gente tenha vindo para a casa da minha sogra no interior, acho que eu saí um pouco do meu lugar, do que eu pensava para o diário, embora minha rotina tenha mudado pouco: escrevo pela manhã, leio à tarde e/ou ajudo a Gabriela com as tarefas da escola. Me exercito dia sim, dois não, dois sim, um não e assim vai. Embora fosse um diário, seria um diário ficcional, em que eu já previa que ia desistir dele algum momento.

– Estou relendo Memórias Póstumas. Eu já estava com vontade de reler desde o ano passado. Gosto muito do Machado e a prosa dele sempre me contamina de um jeito positivo. A argúcia, o olhar, a fluidez da prosa, a precisão com que faz comparações e alusões… sem falar na imaginação. O realismo foi a melhor coisa que lhe aconteceu, embora ele seja um autor que tem um apreço não desprezível pela fantasia e pelo absurdo (vide o alienista, o espelho etc.), a própria filosofia do Quincas Borba, que já aparece no Memórias, tem algo de absurdo. Não sei se entendi direito o que o Schwarz tinha em mente com a expressão ‘ideias fora do lugar’, mas o Quincas é um pouco isso, acho, o cara que bebe da filosofia europeia, quer criar algo próprio e o que sai é uma maçaroca. Deu nisso daí que vemos hoje: o brasileiro nacionalista se abraça na bandeira norte-americana e de Israel, que nos desprezam. Vai entender! Fora que é um livro que prova que não é preciso enredo nenhum pra se ter um livro bom: são as memórias de um morto, memórias de um cara que não fez patavina que preste na vida. Tem algum acontecimento de vulto? Alguma aventura? O próximo que a gente chega duma cena emocionante é quando o marido da Virgília aparece de surpresa na casinha onde os amantes se encontravam, obrigando Brás a se esconder.

– Revi Sonhos do Kurosawa (1990). O segmento sobre o van Gogh é ainda um dos meus favoritos. O último também. Como ele aproveita os espaços e as cores da natureza! E pensar que o medo dele era a energia nuclear!

– Antes que eu me esqueça. Dêem uma força. O livro tá baratíssimo ou pode ser lido de graça no Unlimited.

Primeiro de maio

Hoje, trancado em casa, sem poder colocar o pé na terra, a gente deve estar se perguntando por que diabos em algum momento o homo sapiens resolveu plantar para ter o que comer. Talvez tenha sido só um acidente, alguém viu que as sementes jogadas ali do lado cresceram sozinhas e resolveu jogar mais e cuidar delas para ver no que ia dar. O Yuval Harari conta um pouco dessa história no Sapiens (leiam, jovens!).

Essa pessoa inventou o trabalho: acordar todo dia para fazer a mesma coisa e gerar “frutos” para a sociedade (olha a metáfora nada inocente aí). Nosso trabalho gera frutos, produtos, bens, riqueza, prosperidade, progresso… e por aí afora.

É o que dizem. Dizem até que liberta (do que, exatamente?).

O ócio, a preguiça, o deixar quieto, deixar pra depois, vamos vendo na sequência, se der a gente faz, amanhã eu vejo… são valores menores, embora sussurrem no nosso ouvido constantemente como aquele diabinho do meme. Vai ver é só nossa necessidade de recompensa imediata. Ah o prazer de maratonar uma série e procrastinar uma tarefa da escola, a faxina no guarda-roupa, a limpeza na horta… A preguiça paga à vista, o trabalho é investimento de longo prazo, dizem os estudiosos da procrastinação.

É o que dizem.

Eu comecei a trabalhar com 12 anos. Eu precisava trabalhar e ajudar a família. Minha irmã mais velha também não se livrou disso e por essa idade já trabalhava de babá. Imagino que era por necessidade e também pra ter uma profissão. Trabalhei na tipografia do meu tio em São Miguel do Oeste (SC) e depois numa em União da Vitória (PR). Fiquei no ramo até os 18 anos, quando fui prestar o serviço militar. Melhor decisão que tomei na vida, a propósito: não voltar para o ramo das artes gráficas.

Acho que completei o bingo do pobre brasileiro: comecei a trabalhar cedo pra ajudar a família, fiz parte do grupo de jovens da igreja, estudei à noite, fiz curso no Senac, prestei serviço militar, comecei a me sustentar aos 20 anos, não tinha dinheiro pro xerox na faculdade, me afundei financeiramente no meu primeiro cartão de crédito, já tive o nome no SPC…

Meu pai nunca reclamou de eu ler muito, inclusive incentivava, mas o trabalho em casa vinha em primeiro lugar: juntar o cocô do cachorro, limpar o pátio, cortar a grama, varrer a casa, dar comida para as galinhas… antes de ir ver televisão ou ler, precisávamos perguntar ao meu pai se tinha alguma coisa pra fazer.

Trabalhar, trabalhar, trabalhar…

Esse mantra fica rodando na minha cabeça. Parece que a gente meio que se define por isso. Quem eu sou? Eu sou professor universitário e linguista (e só não coloco escritor ali porque não ganho dinheiro com o que escrevo, então não é profissão). Falando nisso,  obrigado à minha meia dúzia de leitores!

Se eu não estiver fazendo essas coisas, é como se eu não fosse eu. Sinto a cobrança a todo momento me batendo no ombro: bora lá, fazer o parecer pro artigo (o prazo está acabando!); e aquele artigo, termina quando? E aquele livro de divulgação, sai ou não sai? E aqueles artigos que você baixou, vai ler algum dia? Que tal ler mais algumas referências para as disciplinas do semestre?

Não é como se eu fosse salvar o Brasil da epidemia se eu submeter a alguma revista meu artigo sobre a semântica das orações comparativas na semana que vem ou no mês que vem, não é?

Mas, enquanto não posso dar aulas, esse é o meu trabalho: fazer linguística, que é basicamente ler e escrever sobre língua (no meu caso, sobre o português mesmo). Preciso ser produtivo, para mostrar na avaliação do meu estágio probatório e na avaliação de progressão funcional que eu produzi e mereço ganhar um pouquinho mais.

Se eu não fizer essas coisas, vou fazer o quê? Só cuidar das minhas filhas?

Anotações

– Queria escrever alguma coisa sobre o Rubem Fonseca. Gosto de muitos escritores e ele certamente está no meu panteão particular. Quis ser como ele um dia: usar a linguagem como ele usa, narrar como ele narra. Ele tem um tipo de intimidade com a literatura, é uma intimidade… sabe a intimidade que a gente tem com uma mulher com quem dorme faz muito tempo? Parece um pouco isso.

Disseram que seus últimos livros não tinham a mesma força dos primeiros e que ele imitava a si mesmo. (não dizem algo parecido do Dalton Trevisan?) Enfim, não li os últimos livros dele. Comprei Carne Crua (2018), mas não li ainda.

Peguei para reler Histórias de Amor e já me deu vontade de reler outros e mesmo ler o que ainda não li.

– Mas isso tudo é daquele jeito. Rascunhei um textinho pra publicar aqui. Mas eu queria falar também do livro do Chico Buarque, Essa Gente. Gostei, mas não achei tudo aquilo. É bom? É, claro que é. Mas gostei mais do estilo, da opção pelo diário e cartas. O narrador me pareceu só um burguês desocupado que virou escritor e agora tá em crise e não sabe o que fazer da própria vida. Ou seja…

– Comecei a rascunhar várias ficções. Vamos ver o que minha gaveta vai achar delas. Mais uma certamente para se unir com as outras 4 novelas que estão por lá juntar poeira de nuvem digital.

– Eu tenho dificuldade com finais. Não gosto dos meus finais.

– Estou cansado do confinamento. Em algum momento era a vontade de sair, andar no parque, correr na rua. Agora nem sei mais o que é. Só saudade de sair de casa, ir pra universidade, dar aula, falar bobagem. Eu até estava todo animado, indo trabalhar de bicicleta…

– Não tenho funcionado direito. Estou com dificuldade para me concentrar em qualquer tipo de leitura que me exija um pouco mais de atenção. Li um artigo de semântica ontem e o texto nem era complicado, eu só não conseguia me concentrar. Hoje comecei a ler outro. Mesma coisa. Vou ter que reler os dois. E treler, certamente.

– Isso me frusta e cansa, claro. Ando sem paciência também para ajudar a Gabriela com as tarefas da escola. Queria ser mais paciente.

– Meus horários foram pro espaço. Segunda-feira deitei meia-noite e meia na cama. Fui dormir de fato quase uma hora depois. Trabalhe à noite, dizem vocês! Mas a noite, embora silenciosa, está cheia de distrações. E não dá pra dormir tarde e acordar tarde, porque as meninas dormem cedo, acordam cedo e precisam almoçar no horário.

– Comecei a ver ontem A última dança, um seriado-documentário sobre o Michael Jordan e aquele time inesquecível do Chicago Bulls nos anos 1990 (Netflix). Vejam. Ainda bem que estão lançando aos poucos (só 2 eps. agora), senão eu teria maratonado. Fui dormir 1:30 ontem de novo por conta disso.

– Me deu uma saudade de Chicago, a propósito.

É uma m* de uma pandemia!

Começo explicando o título. Quem me conhece sabe que gosto de palavrão, de falar e de pensar sobre eles. Eles me parecem ter uma força expressiva que nenhum outro vocábulo traz. Mesmo um atenuamento como eu usei no título já é mais forte do que só usar uma exclamativa, eu diria.

É que eu tenho sentido que muita gente não tem sentido a gravidade da coisa. Fui no mercado na semana passada comprar alguns víveres e tinha até loja de material para limpeza de piscina aberta (uma necessidade premente dessa época, né, convenhamos! – só que não).

Tá, eu até nutro uma simpatia pelo pobre comerciante que, de repente, deve viver só disso e precisa manter a porta aberta para pagar as contas. Nada contra pequenos comerciantes, tenho parentes que são e sei dos seus dilemas. Mas eles não percebem que essa urgência deles em abrir as portas se deve à incapacidade dos nossos governantes em lhes oferecer alternativas ou uma simples ajuda legislativa para o enfrentamento da situação.

Juros menores ou subsidiados, empréstimos a perder de vista, descontos em impostos (isenções para alguns casos?), subsídio para folha de pagamentos… há tanta coisa que poderia ser feita. Foda-se o ajuste das contas públicas! Foda-se a responsabilidade fiscal! É uma merda de uma pandemia! Que se imprima dinheiro! Que se emitam títulos da dívida pública! Aposto que o Itaú, o Safra, a XP, o Santander e os investidores de classe média alta os comprariam num piscar de olhos.

E se por um lado a gente tem esse povo louco por voltar ao normal (Não existe mais aquele normal, moçada, desculpa!), tem outro povo louco por fazer alguma coisa em casa: as escolas. A escola brasileira se alimenta da lógica do conteúdo, da matéria, da nota, do resultado, da lição da casa. É uma espécie de urgência quase-capitalista: a educação da meta e do resultado, do número, da produtividade.

Entendo a preocupação dos pais com os filhos desocupados em casa, principalmente uma faixa etária que, se ficar à vontade, vai passar o dia na frente da televisão, no Youtube ou nos serviços de streaming.  Mas se pensarmos bem, pra quê essa urgência? Aonde é que precisamos chegar tão logo? A porra do mundo está parado!

 

Deus é brasileiro e anda do meu lado

Somos abençoados, não há dúvida disso.

Na dúvida, que por ventura faz você dar um passinho pra trás, vai lá e ajoelha na frente do presidente e faz uma reza qualquer que a tua religião diz que você tem que me fazer pra ver se o homem faz alguma coisa, porque, mesmo que você creia piamente que ele está fazendo o que tem que fazer, a gente dá uma rezada que é pra ajudar e garantir que o homem lá de cima está de fato olhando por nós.

Não vai dar nada, nunca dá. Os hospitais estão vazios, vejam! Não existe epidemia! É uma invenção da mídia. Todos os canais de televisão se reuniram em conlunio: vamos passar a mostrar imagens de enterros e confinamentos ao redor do planeta como se fossem verdadeiros, mas todos foram filmados em computação gráfica no Projac, os repórteres falam em estúdios com fundo verde, e as imagens de fundo são inseridas em cromaqui. É a fabricação da histeria. O crime perfeito!

As companhias aéreas são cúmplices, todas, absolutamente todas, malditas comunistas ávaras pela verba das viagens infindáveis dos presidentes petistas que adoravam fazer turismo na África, no Oriente Médio e nos países socialistas do Caribe (Cuba e Venezuela, principalmente). Perderam a mamata!

Tem um remédio aí que o presidente tá dizendo que é batata.Tomou curou. Mas também tem um monte de médico dizendo que não sabem direito se funciona ou não. Por via das dúvidas, acho melhor tomar, que é pra garantir, né? E pra ajudar ele mandou o exército produzir milhões e milhões dessas pílulas, que é pra garantir que todo mundo vai ter. É uma gripezinha, né, mas quem pegar vai estar garantido. Só a cloroquina salva!

Tem um povo fazendo carreata pra que não tenha quarentena. Eu não sei porque tão tudo lá de máscara se é só uma gripezinha, vai ver Deus não tá tão assim do lado deles. Porque eles acham que não precisa de quarentena, mas precisa de máscara e da tal da cloroquina abençoada que só Jesus pra inventar um negócio desses.

A gente é o país do futuro e o presidente tá consertando o país e a corrupção acabou. O povo só não vê porque a Globo não mostra. Os jornais são todos comunistas também. Não leio nem que eu tivesse dinheiro. Jornal é só pra embrulhar peixe e por no assoalho do carro depois de lavado. Tudo uns mentiroso safado.

Porque, olha, se esse povo tudo se juntando nas feiras por aí, nas portas de banco e  portas de repartição pra fazer CPF não tiver couro duro… acho melhor a gente rezar mesmo, fazer uma novena, um jejum, um despacho…

Nada é tão urgente assim

Fiquei duas semanas sem postar. Foram as duas primeiras semanas de confinamento. Acho que ninguém esperava que ele chegaria em algum momento. Víamos as notícias da China, da Itália, da Espanha e elas nos pareciam mensagens distantes de outro planeta. Tá ligado? Era, pelo menos, como eu me sentia. O semestre tinha iniciado, eu levava minha filha para a escola todos os dias, escrevia, lia, fazia compras para a semana… eu nem me liguei de comprar álcool em gel no momento em que se cogitou parar as atividades.

A forma despreocupada com que nosso governo deixava as pessoas entrarem no Brasil vindas de países com contágio hoje me dá a impressão de que não fizemos nada para conter a entrada do vírus aqui. Basta ver que os primeiros casos são de pessoas que vieram da Europa, Estados Unidos e Oriente Médio. Adiantou por em quarentena aquele pessoal que foi trazido da China? Não adiantou nada e agora o boi fugiu com as cordas, se eu estou me lembrando direito do ditado.

Mas o confinamento veio e a vontade de se apegar à rotina foi tão grande que me peguei pensando em formas de manter contato com os alunos durante esses dias, embora eu soubesse cá comigo que ele não seria de apenas 15 dias. Eu já tinha visto os gráficos da evolução da doença por aí e os cenários projetados eram terríveis (afinal, não somos alemães ou coreanos). Por que, afinal, querer dar aulas online, fazer reuniões… que urgência é essa? Na burocracia universitária os prazos continuam correndo como se estivesse tudo normal, e os editais estão se fechando, projetos precisam ser avaliados, artigos publicados, relatórios de pesquisa enviados… só parou a aula mesmo, no final das contas.

A escola da Gabriela, minha filha mais velha, de 6 anos, se apressou em enviar pequenas lições diárias. É um engodo. Quem é o pai que está conseguindo fazer seu filho sentar toda tarde e estudar como se fosse uma aula normal? EU não consigo. Fazemos na medida que conseguimos, o que significa que ela já está atrasada uns 4 dias no cronograma. Mas vá lá, é uma forma de dar um senso de normalidade pras crianças.

Entendo um pouco essas tentativas de manter a rotina e a normalidade, precisamos delas. Todo mundo gosta de folga e descanso, mas ficar muito tempo parado, ainda por cima trancado dentro de casa, nos faz mal. Precisamos se movimentar, ver os amigos, gastar dinheiro, comer fora e fazer essas coisas todas que dão um pouco de urgência e necessidade. Mas não dá pra fazer agora, e o desespero de uns comerciantes e pessoas para que se abra o comércio é um pouco por isso, afora o problema comercial óbvio.

Mas como disse o Átila Iamarino no Roda Viva da última segunda-feira, aquele mundo de janeiro não existe mais. Os shoppings podem até abrir. Quem é que vai se sentir seguro pra ir lá agora? Pode até abrir o Madero, mas você vai lá? Eu é que não. Pode até abrir a Havan, mas a compra de lençóis e toalhas pode esperar.