Mudanças

Uma vez escrevi aqui que não faria mais concursos. Mas lá veio a vida… fiz outro concurso, passei e mudei de universidade e cidade. Depois de 7 anos de Porto Alegre e UFRGS, no mês passado me mudei para Curitiba e para a UFPR.

Sempre gostei de Curitiba, e como todo garoto do interior do Paraná, sempre tive uma atração pela capital. Sonhei algumas vezes em vir morar aqui, estudar na UFPR, cogitei largar a graduação na FAFIUV e mudar para cá (para continuar cursando Letras mesmo ou jornalismo, outra profissão que me atraía), mas como muitos planos da juventude, esse foi colocado num canto e esquecido. Depois de formado, quando pensava em fazer mestrado, claro que cogitei vir para a UFPR. Mas, por uma daquelas decisões que são meio conscientes meio inconscientes, meti na cabeça que meu lugar estava em Florianópolis. Foi uma sábia decisão, porque muita coisa legal aconteceu na minha vida a partir disso.

Agora estou aqui, começando tudo de novo (estágio probatório, se familiarizando com a universidade, sua burocracia e seus trâmites, buscando um espaço de pesquisa e colaboração com os professores do departamento – muitos dos quais eu conheço, o que facilita à beça as coisas – e com a cidade, uma parte mais legal, sem dúvida). Coincidiu que eu estava finalizando meu projeto de pesquisa na UFRGS justamente em julho e já tinha um novo praticamente pronto (que iria submeter para a universidade lá em junho e que acabei usando no concurso também). Essas coisas todas tomam um baita tempo da gente.

Enquanto na UFRGS existe um sistema unificado em que você com um login consegue fazer quase tudo, na UFPR são vários sistemas que parecem não se comunicar. Por exemplo, para descobrir a lista de chamada, se faz login no Portal do Professor. Como esse sistema não tem vínculo com um sistema virtual de auxílio às aulas presenciais, tive que criar uma sala virtual no Google Classroom para disponibilizar as leituras e criar uma central de comunicação coletiva com os alunos. Para submeter o meu novo projeto de pesquisa ao Comitê de Pesquisa do Setor de Ciências Humanas (órgão ao qual o departamento de Literatura e Linguística e curso de Letras estão vinculados) preciso encaminhar o processo via outro sistema, o SEI. Para criar uma página profissional terei que passar por uns trâmites, coisa que na UFRGS eu fiz com alguns cliques. Tudo isso toma muito tempo da gente. Tempo que eu gostaria de estar dedicando ao que interessa (pelo menos para mim): preparar minhas aulas, ler/pesquisar e escrever. Pra vocês não me chamarem de mentiroso, na UFPR já descobri: o SIGA, a Intranet, o Portal do Professor e o SEI. Cada um desses lugares faz algo diferente.

Deveriam oferecer um minicurso aos professores novos sobre como funcionam e quais são os sistemas da universidade (tem curso sobre tanta coisa). Mas ninguém te ajuda com essas coisas e você vai meio que tateando e aos poucos via tentativa e erro encontra as informações.

Eu vejo o futuro repetindo o passado

Duas passagens do 1808 do Laurentino Gomes que estou lendo nesse momento me chamaram a atenção. São duas citações, depoimentos de viajantes que passaram pelo Brasil colônia.

A primeira, de 1807, fala sobre Florianópolis, e é de John Mawe: “A cidade proporciona agradável retiro aos comerciantes afastados dos negócios, comandantes aposentados e outras pessoas que, tendo assegurado a sua independência, procuram lazeres para desfrutá-la.”

E a segunda, de um diplomata francês, chamado Maler (é citação de citação, o depoimento foi citado por Oliveira Lima, em D. João VI no Brasil), falando sobre o Rio de Janeiro da época da chegada do rei português: “Não há cantinho do universo onde se seja pior alimentado e pior alojado por preços tão excessivos.”

E 200 anos depois… mudou alguma coisa?

Sobre histórias e objetos

Aproveitando que as aulas só começam em março, tenho usado esse tempo sem muitas obrigações profissionais pra escrever. Estou quase terminando um conjunto de crônicas da minha adolescência, batizado por enquanto de “o que você vai ser quando você crescer”, que é um verso de Pais e Filhos da Legião (ou ‘do’ Legião? eu nunca sei) – cantávamos essa música a plenos pulmões quando voltávamos bêbados para casa lá pelos idos de 1996. Ainda não estou contente com a forma da coisa e preciso acrescentar alguns detalhes históricos, que vão demandar pesquisa e reler alguns trechos de “Diário de um Mago” do Paulo Coelho. Sim, eu lia um bocado e velho bruxo, ou vocês acham que a gente lia Joyce e Clarice Lispector aos 15 anos? A gente era supernormal, e talvez esteja aí a graça do livro, a sua universalidade, ou mesmo o seu principal defeito, porque as coisas que eu e meus amigos fizemos são comuns, ou não… pensando bem, acho que escrevi o meu “Alta Fidelidade”, mas sem a Catherine Zeta-Jones, ou as músicas do Elvis Costello. Eu era fã do AC/DC, nada mais comum que isso. Veremos o que meus dois primeiros leitores dirão.

Mudando de saco para mala, um amigo meu teve um insight que tem me incomodado, e que se a gente para pra pensar com cuidado… sei lá, não dá pra chegar a nenhuma conclusão… Ele estava na casa da sua avó e de repente percebeu que as coisas da sua tia, que havia falecido há pouco menos de um ano, estavam todas jogadas em um quarto da casa. Ele mesmo, um sujeito que gosta de colecionar artigos vintage (eletrônicos, principalmente) de repente percebeu que a nossa vida pode se resumir a isso. No final, tudo que a gente fez na vida foi juntar um monte de coisas que serão jogadas num quarto velho da casa de alguém, até que tenham um destino definitivo: sejam distribuídas entre parentes, vendidas a um brique-braque, dadas para quem quiser levar. Ele se lembra do que aconteceu com o avô do Caio, o Amadeu Bona, um pintor bastante conhecido em Porto União da Vitória e região. Quando ele faleceu, todos aqueles objetos pelos quais ele nutria paixão e apreço foram dispersados. E ele contou, tristemente, que quando visitou uma exposição em homenagem ao pintor, notou que o atelier que montaram na exposição não tinha nada a ver com o atelier original do pintor. Faltavam o seu toca-discos e seus vinis do Orlando Silva, o seu cavalete, o seu banquinho, entre outras coisas. Aquilo que estava montado ali era um engodo, um cenário fake. Talvez venha daí a nossa fascinação por museus, casas de artistas. É o prazer de conhecer o ambiente de trabalho, os objetos que também contam a história daquele ser humano que construiu coisas bonitas. Quando visitei Mariana (MG) fui na casa do poeta simbolista Alphonsus de Guimarães. Ele viveu lá de 1906 até a sua morte em 1921. A casa é pequena,  4 quartos, se não me engano. Não sei como todos os seus 15 filhos cabiam lá dentro. De qualquer forma, não há mobília nos quartos, e no térreo, no que devia ser a sala, há alguns poucos móveis e objetos expostos, tais como primeiras edições de seus livros e manuscritos. A originalidade do lugar perdeu-se. É apenas uma casa onde viveu um sujeito que escreveu belos poemas, os objetos que circundaram aquela existência, deram algum sentido para a vida dele e da família se perderam. Daí a gente pensa na quantidade de coisas que compra, nos objetos aos quais se apega por alguma razão, como o preto velho que eu trouxe de Ouro Preto, o filtro de sonho que comprei em uma feirinha em Floripa, o meu toca-disco, os livros que garimpei em sebos (um livro de poemas do Lindolf Bell autografado!; A obra completa do Fernando Pessoa em um volume; o X-Bar Syntax do Jackendoff que eu comprei numa liquidação da biblioteca da Universidade de Chicago), meu pôster do Pulp Fiction… são apenas coisas, alguém dirá. Por mais que a gente fica com esse sentimento de que em algum momento alguém irá jogar aquilo tudo fora (seus filhos, aqueles ingratos!), de certa forma os objetos que a gente guarda possuem um apelo sentimental, são coisas que tornam a nossa existência também singular, pois os objetos possuem memória, da viagem inesquecível, daquele romance fugaz que durou duas noites de sexo, das coisas que te inspiram a passar a vida de forma menos bovina e mais produtiva.