Isso de ser linguista e escritor vai tirando da gente uma certa ingenuidade em relação à linguagem. Não posso mais falar e escrever com a liberdade daqueles que simplesmente jogam os chinelos a um canto e entram na quadra de terra batida pra bater uma bola.
Mas isso não é coisa só minha (nem poderia ser, né?). Nas redes sociais o povo é habilíssimo nesse escrutínio. O que me lembra daqueles caras que acham defeitos mínimos em cenas de cinema. (Haja tempo!) A literatura ainda se salva porque ela é feita de recortes, e o que fica de fora, muitas vezes, importa bem pouco.
Li no início do mês, Diário da Queda (Companhia das Letras, 2011), de Michel Laub. Me impressionei que ele falasse tão pouco, quase nada da mãe. Das mães da família em geral. Excluindo o amigo sem mãe, o narrador certamente tem uma e ela quase não aparece na narrativa. O foco está na relação entre os homens da família e tal. Entendo. Claro que entendo. Mas significa, não? Fiquei com a impressão de que a mãe dele era um ser passivo na relação dele com o pai, especialmente nos momentos decisivos dessa relação.
Em Better Caul Saul, uma complicação chave da segunda temporada é a adulteração de alguns documentos promovidas por Jimmy para ferrar seu irmão Chuck. Chuck tem uma intolerância à eletricidade. Vive às escuras, sem eletrônicos de qualquer espécie por perto. Por isso fiquei surpreso quando Chuck diz num episódio depois que seu suposto erro aparece que ele tem certeza de que digitou corretamente os documentos. Como assim ele “digitou”?
Muita gente se surpreende com os rolês das crianças em Stranger Things? Cadê os pais? Por que estão na rua até tarde? Crescer num subúrbio americano deve ter lá suas vantagens, mas crescer numa cidadezinha do interior do meio-oeste (que pra mim não tem nada de oeste, só meio mesmo) tem outras, como poder ir e vir de bicicleta pra todos os cantos e a cidade ter apenas um punhado de policiais. Essa foi a minha infância em União da Vitória. Eu e meu irmão mais novo apenas falávamos para nossos pais que estávamos saindo para ir na casa de algum amigo ou jogar bola na praça do bairro. Eles não se davam ao trabalho de ir lá conferir, claro. E muitas e muitas vezes íamos para outros lugares.
Por isso evito ler resenhas e críticas de filmes e livros antes de tomar contato com eles. Cruzei só de relance com o título de uma resenha do livro novo do C. Tezza, Beatriz e o poeta, e o título falava em ‘personagens ruins’. E agora, ao ler o livro, tenho achado o personagem do Gabriel, o poeta, um completo porre. Verborrágico, metido, até um bom tanto inverossímil (ninguém fala daquele jeito). É o Luisandro quem está achando isso mesmo ou minha leitura foi enviesada pelo que li?
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Filme:
Deserto particular (HBO). A premissa é muito boa. Um oficial da PM é afastado após um ato intempestivo de violência durante uma instrução de soldados. Daniel, o personagem principal, cuida do pai, que tem Alzheimer, com quem mora, e que é PM aposentado. O personagem tem várias nuances e vamos sendo apresentado a elas aos poucos. Ele parece ser um macho tóxico por todos os caracteres que associamos a sujeitos que são militares, além de ele ter um biotipo fortão, calado e não reagir muito bem quando a irmã lhe conta que está namorando uma mulher. Isso tudo a gente descobre nos primeiros minutos do filme. A intriga começa a ficar interessante quando Daniel decide ir atrás da baiana de Sobradinho com quem vem trocando mensagens pelo Whatsapp. Não sabemos muito bem o que motiva a viagem, além do fato de ela ter parado de lhe responder. É apenas a paixão que o move ou é a vontade de simplesmente sair de Curitiba e se afastar dos problemas (o processo disciplinar, o pai… ). Chegando lá, ele procura Sara e aos poucos vai descobrindo que ela não é muito bem quem ele esperava. Li resenhas elogiosas, outras nem tanto. Para mim é nota 6. Os diálogos são bons, o enredo é bom, mas tem algo ali que não me agradou, como a mudança de perspectiva. O filme começa centrado em Daniel e num certo ponto passa a tratar mais da Sara.