Eu tenho um problema sério: sou curioso. Ao mesmo tempo em que essa característica me trouxe coisas boas na vida, como virar linguista – afinal, para ser um bom cientista é preciso curiosidade – ela traz consigo uma espécie de angústia. Vivemos num tempo em que o acesso à informação é relativamente fácil, discos, livros, filmes, revistas, estão a um clique de distância. O que fazer com tanta coisa? O que ler, ver, ouvir, primeiro?
Eu tenho vários interesses, desde o meu interesse principal na linguística (que é o que me sustenta), até divulgação científica e cinema não-comercial, passando por música indie e seriados. Naturalmente que tenho mais discos em mp3, filmes em avi e livros em pdf do que sou capaz de ouvir, ver e ler – também tenho alguns livros em papel que ainda não li. Claro que a vida seria bem legal se eu pudesse passar o dia todo lendo, vendo e ouvindo coisas (é isso, basicamente o que eu faço nas férias), e escrevendo também. Mas a vida não é só isso, e a gente tem que trabalhar (boa parte do meu trabalho envolve ler e escrever), a fazer essas coisas estúpidas que tomam um tempão da gente, como pagar contas, comprar mantimentos pra casa, tirar o lixo pra fora, fazer o almoço, tomar banho, lavar a louça suja, limpar o banheiro etc.; e as coisas importantes, como dar atenção pra mulher, e um dia quem sabe, para os filhos.
Assim, eu tento driblar o tempo, ouvindo música no celular ou no carro. Como não consigo e não gosto de ler no ônibus, só leio por prazer em casa mesmo, e nos momentos de folga, o que me dá pouco tempo. Por vezes acabo roubando o tempo em que deveria estar trabalhando para ler coisas por entretenimento. Ver filmes fica complicado, não dá pra ver filme todo dia, o que acaba acontecendo geralmente nos finais de semana. No dia a dia vejo seriados mesmo.
E tem o problema do velho vs. o novo. Há muita coisa nova sendo produzida e bate aquela aflição de “puxa! eu mal consigo ler/ver/ouvir os clássicos e já tem um monte de coisa nova que eu quero ler/ver/ouvir também”. Eu queria ler mais Freud, Jung, queria estudar as palestras do Richard Feynman, ler a biografia do Einstein, do Bob Dylan, do Keith Richards, estudar teoria de conjuntos e lógica, ler alguns clássicos da linguística que ainda não li, escrever um livro sobre as orações comparativas, terminar os dois romances que eu comecei (tá! um eu terminei, preciso polir, outro está no meio do caminho), ver a filmografia do Woody Allen, do Godard, do Bergman, dos irmãos Coen, do Peckinpah, do Truffaut (só falta um filme pra eu acabar!), ouvir a discografia do Nick Cave… As revistas e páginas de cultura dos jornais até que dão uma mão pra gente decidir o que é mais ou menos bom, bem como as dicas de amigos. Nesse mundaréu de séries, o que realmente vale a pena ver? Com essa quantidade enorme de discos aparecendo, o que ouvir? Sempre fico frustrado com essas listas de começo de ano dos 20 ou 50 melhores discos do ano anterior, porque elas não selecionam nada, apenas geram mais frustração, já que a pessoa que fez a lista não soube escolher. De 100 ou 150 discos lançados no ano, fazer uma lista dos 50 melhores não é realmente fazer uma seleção. Já quando se trata de livros a gente nunca sabe realmente se a imprensa só dá espaço para as grandes editoras ou está escondendo o trabalho das pequenas, que também publicam coisas boas. Veja a Bravo!, por exemplo. Na seção de livros, só há três reportagens por mês, e a lista dos lançamentos é sempre de 8 livros. Na edição de fev, desses 8, 3 são traduções de autores estrangeiros. Ou seja, de tudo que se lançou no período, só mereceram menção 5 autores em língua portuguesa (um deles é português). Claro que a revista precisa escolher o que publica, é esse o objetivo dela, nos dizer o que é relevante na cultura do mês.
(Preciso terminar o texto, minha mulher quer que eu ligue pedindo água e tenho que terminar um artigo)
A internet facilitou muito o nosso acesso aos novos produtos culturais, para o bem ou para o mal. Para o mal para as gravadoras, que ainda não entenderam que as pessoas consomem música de forma diferente hoje, e creio que a tendência é o disco desaparecer, uma pena, penso. O mesmo vale para o modo como vemos televisão. Podemos escolher o que ver e a hora em que faremos isso. Essa liberdade relativa possibilita outras formas de consumir cultura. Nos anos 90, lembro de ficar com a fita K7 sempre pronta para gravar alguma música de que eu gostasse no momento em que ela tocava no rádio. Só assim eu poderia ouvi-la quando eu quisesse. CD era caro pra cacete, pelo menos pro meu poder aquisitivo (praticamente zero). Felizmente, hoje posso levar 2GB de música no bolso.