E o pior, por que acreditamos neles?
Nenhum idiota vem com uma plaquinha na testa, nem tem uma cor de cabelo especial. São pessoas normais, brasileiros normais, como eu, você ou o dono da padaria aqui da rua.
A internet deu voz a uma trupe de tagarelas que não tinha audiência. Isso é um fato. Se antes um Olavo tinha que suar um pouco para conseguir publicar um artigo ou outro numa Cult ou num jornalão, hoje ele pode publicar no seu site, falar por horas no seu canal no Youtube ou fazer um podcast, e ainda publicar num site qualquer desses de direita que pululam por aí. Que esses caras falem, não me admira, são humanos, e humanos falam. Me admira que alguém pare para ouvi-los.
Para mim, são como aqueles pastores de praça ou mendigos que anunciam que o fim está próximo em filmes de ficção científica, pouco antes de as trombetas dos anjos vingadores tocarem. Quem dá bola para eles? Aparentemente, muita gente está dando. Afinal, por que alguém doaria R$25mil para um canal que defende o terraplanismo? R$25mil!
Há uma espécie de sedução no indivíduo que se expressa bem. É como se o sujeito bem articulado fosse um encantador de serpentes, um flautista de Hamelin, e nós meros ratinhos autômatos, rapidamente sugestionáveis pelo sussurrar de umas poucas palavras que digam o que queremos ouvir. Mas note que não é apenas o conteúdo, é a forma. O idiota fundamental consegue revestir suas palavras vazias com pompa e autoridade; ele sempre está do lado dos fatos, da lógica, da verdade (note como, durante a campanha, Bolsonaro repetia exaustivamente estar ao lado da verdade ao mesmo tempo em que mentia descaradamente) e confunde correlação com causação sem nem ficar vermelho. Há sempre uma exaltação, uma paixão no seu tom de voz; ele não fala, apenas, ele está indignado. E a indignação é contagiante. Não gostamos de coisas erradas, de políticos corruptos, de funcionários públicos preguiçosos. O moralismo conquista as massas. E o idiota fundamental sempre está do lado do bem; ele detém o monopólio do bem, da família e da religião.
Talvez algum antropólogo sábio já tenha escrito algum livro sobre o poder de sedução que a fala exerce, nesse sentido de pararmos para ouvir o que alguém tem a dizer apenas por que essa pessoa é bem articulada e fala sedutoramente. Suponho que assim tenham nascido a religião e os líderes (não há sociedade humana sem religião e sem líderes, sejam políticos ou espirituais), fazendo aqui uma sociologia artesanal. Não são poucos os que correlacionam falar bem com inteligência e calar com burrice.
“a idolatria da técnica verbal vista como o supremo sinal de inteligência a despeito do conteúdo ralo ou nenhum são constantes da mentalidade brasileira, independentes dos grupos e classes, das épocas e situações.” (Olavo de Carvalho, Bravo! Out/1999)
Na Roma Antiga, falar em público era uma arte e o estudo da Gramática era um pré-requisito para o desenvolvimento dessa habilidade. A escolha das melhores palavras, a boa conjugação dos verbos, a adequada declinação dos nomes, a disposição das palavras na oração, a construção de figuras de linguagem (de pensamento, sintáticas etc.) eram aspectos formais importantes. Note como os jovens vêm se apropriando da nomenclatura de estruturas argumentativas (falácia, solipsismo, ad hominem, etc.) – Nota: Olavo prefaciou uma edição brasileira do livro “Como vencer um debate sem precisar ter razão”, de Schopenhauer”, no qual diz que seu objetivo é ajudar o leitor “a resguardar-se dos tagarelas, e não a transformar-se num deles”.
O idiota fundamental é um tagarela. E o tagarela nunca estará desempregado: ele está na frente dos microfones nos rádios, ele é entrevistado constantemente, ele exerce cargos públicos variados, ele é o professor da escola, do curso técnico, ele é o advogado, ele é o vendedor, ele é o sacerdote das religiões, ele faz discursos nos bares… Falta-nos, talvez, um esforço de ceticismo. Ao ouvirmos alguém falar tão apaixonadamente sobre alguma coisa, deveríamos ficar com um pé atrás e não acreditar naquilo tudo. Por óbvio que há questões ideológicas envolvidas. Se fulano diz coisas com as quais eu concordo sistematicamente, irei ouvi-lo e tenderei a crer nele sempre; agora, se um jornalista diz coisas que eventualmente contradizem minhas crenças, é provável que eu pare de ouvi-lo.