“Cafuné” é uma palavra de origem controversa. É o que os dicionários nos dizem, embora se supõe que venha do quimbundo onde significa algo como “torcer a cabeça de alguém”. Como é que um ato agressivo foi atenuado para um ato carinhoso me soa como um completo mistério. Essa palavra significava isso quando nos foi emprestada? É difícil responder a essas questões, já que é bem comum que nos empréstimos ocorra algum tipo de uso “equivocado”. Para dar um exemplo, o que chamamos de ‘outdoor’ os americanos chamam de ‘billboard’, sem falar do caso mais extremo: ‘cheese burger’ é o sanduíche com queijo e hambúrguer que a gente abrasileirou simplesmente como ‘xis’ para designar qualquer variação desse sanduíche.
Eu fiquei na dúvida porque eu estava lendo com as minhas filhas um livro de uma coleção da Turma da Mônica com as letras do alfabeto. Na letra I, o personagem principal é um indígena, o Papa-capim. Acontece que ele tem um amigo de tribo chamado “Cafuné” e como eu já tinha ouvido falar de que ‘cafuné’ era de origem africana, fiquei intrigado e fui pesquisar um pouco mais. De qualquer forma, achei um nome pouco convencional para um indígena, um nome que nem tupi é. Já ‘capim’ sim é tupi, mas também me parece estranho nomear um guri (outro termo que veio do tupi, ‘gwiri’, que significa “bagre novo” e “criança”) como “comedor de capim”.
De qualquer forma, meu estranhamento não ficou por aí. Na história, os indiozinhos estão vendo formas nas nuvens. E para minha surpresa, entre as várias coisas que imaginaram na forma das nuvens, eles viram uma iguana e um iceberg. Iguanas no Brasil? Fiquei intrigado também e fui descobrir que aparentemente há iguanas no Brasil (na Amazônia, Pantanal e Caatinga). Mas também me perguntei de onde vem a palavra. Vem do aruaque, ‘iwana’, e nos chegou pelo espanhol. Nova dúvida: se há iguanas mesmo no Brasil, porque não temos uma palavra de alguma língua jê ou tupi para essa criatura? Mistérios do vocabulário.
Uma última dúvida, leitor, será que os indígenas brasileiros já viram um iceberg? Imagino que não seja algo muito comum no nosso litoral.