Queremos estado

Ou não queremos? Quem era que dizia que quanto menos o estado interferisse na vida do cidadão melhor? (Henry D. Thoreau?) Pois é. Às vezes acho que ele tem razão. Não, não virei liberal. Continuo sendo socialista/comunista/esquerdista, ou o que quer que isso signifique em dias como os nossos, polarizados, dicotomizados, um tempo do “se não está a favor de nós, é contra nós”. Um saco, infelizmente. Ou se é coxinha, ou se é petralha. Enfim, penso que o estado deveria cuidar de pelo menos os serviços fundamentais: saúde, água, energia, educação, segurança, cultural (talvez?). O resto? O mercado que se vire.

As pessoas reclamam dos aumentos de luz. Amigos, vocês acham que se fosse a iniciativa privada quem fosse responsável pela luz não haveria aumentos? Haveria, e seria ainda pior. No fundo as companhias energéticas regionais são empresas que funcionam a partir da lógica do capital. Elas precisam dar lucro. Com as reservas de água baixas, a energia fica mais cara. Simples, me parece.

Por que falo disso? Por que tem me chamado a atenção a repetição exaustiva de uma lenga-lenga por parte da sociedade brasileira.

O que mais me assusta é em relação à literatura. Reclama-se que a população brasileira lê pouco, e como consequência, compra poucos livros (saiu uma estatística essa semana sobre isso). Alguns dizem que o livro é caro. Eu digo é que se ganha pouco. A maioria da população mal ganha pro aluguel e pra comida. Olhar pra essas estatísticas, generalizantes, é não perceber um erro fundamental: deveríamos olhar para a média de compra de livros nas classes sociais que possuem poder aquisitivo pra comprar livros. Já se falou que temos dois países dentro de um. Eu moro na Bélgica, do outro lado do muro é o Haiti. Não que isso vá produzir um resultado diferente, suponho. Quem tem condições pra comprar e ler livros não os compra, e se compra não os lê.

Aí é que vem a bizarrice. O governo que nos salve, pedem escritores, editores, jornalistas, e essa gente toda que vive de escrever. Se o povo não lê, que ele seja ensinado a ler. Quem fará isso? O governo, claro. O povo sabe ler, mas não sabe ler direito. Culpa do governo, que não deu educação de qualidade. As escolas públicas possuem bibliotecas pequenas e desatualizadas. Culpa do governo, que compra poucos livros. Tudo é culpa do governo! A feira de literatura de Passo Fundo não aconteceu. Advinha o porquê? O governo não deu dinheiro, diz que não tem. As empresas, coitadas, precisam pagar tantos impostos! Tadinhas. Tenho dó delas. Banrisul, Tramontina, Unimed… todas têm dinheiro pra patrocinar o futebol, já pra literatura me parece que não.

Nunca nos perguntamos por que os ricos não ajudam mais a sociedade. Por que grandes empresas não ajudam os museus, as bibliotecas escolares e universitárias, os eventos culturais? Não sei se é por má vontade, talvez seja por falta de costume, falta de cultura, ou presença excessiva do estado, que burocratiza a merda toda, desestimulando o mecenas de bom coração. Já que o estado toma conta de tudo, por que a sociedade se daria o trabalho? Aí quando o estado falta, não culpamos a sociedade que deveria estar mais presente, culpamos o governo que não fez a sua parte. É uma via de mão dupla, creio. A sociedade se beneficia dos empregos que o estado proporciona, e é justamente isso que impede que o estado faça mais do que faz. Ninguém quer perder esses empregos.

O mesmo vale para o patrimônio histórico. Se um prédio histórico está caindo aos pedaços. Queremos que o governo o conserve, que o compre dos seus donos, faça dele alguma coisa, algum centro cultural, enfim, o mantenha. Mas às custas da população, para o usufruto da mesma classe que se beneficia dos empregos gerados pela máquina estatal. No fim das contas, o Haiti continua sendo o Haiti, e a Bélgica usufrui das benesses que a Bélgica tem a oferecer. Mas quem paga por isso são todos, inclusive os haitianos.

Eu queria ter certeza

Acho que a vida seria muito mais prática e cômoda se eu fosse capaz de me mover nela guardando comigo um punhado de certezas. Durante algum tempo eu tive um punhado delas sempre prontas em caso de precisão. Eu era religioso, votava no PSDB, era machista, e acima de tudo não pensava em muita coisa além do problema fundamental quando se tem dezesseis anos: aonde iríamos beber no final de semana. Como era tão tímido quanto um magrelo desengonçado poderia ser, a probabilidade de eu conseguir ficar com uma garota naqueles tempos era tão pequena quanto Romário e Edmundo jogarem juntos no mesmo time (o Flamengo tentou em 1995, não deu certo). Mas esse tempo passou, e aprendi que muitas coisas nas quais eu acreditava não funcionavam exatamente daquele jeito. E acho que desde então tenho virado mais e mais cético. E isso é chato pra burro às vezes; às vezes é legal, minhas divergências sempre acabam gerando algum tumulto em jantares com amigos e almoços familiares.

Eu gostaria de ter certeza de que os americanos são os grandes vilões do mundo. É a CIA que está orquestrando um golpe apoiando a direita na Venezuela, cuja esquerda é uma pobre coitada que não consegue se defender disso e parece ficar alucinada gritando para o mundo, “ei, vejam o que esses malvados estão fazendo, por favor, digam para eles nos deixarem em paz!”, mas eu não tenho essas certezas. Talvez Maduro seja um cara bem intencionado que, infelizmente, não tem a mínima noção de como administrar um país; talvez a oposição (ou a direita fascista golpista) queira mesmo dar um golpe porque está de saco cheio de ver seu país administrado por uma política demagógica. Mas sei, lá, confesso que não entendo nada de Venezuela, e as coisas que leio só fazem jogar incenso num ou noutro lado. O mesmo vale para a Ucrânia, para a Síria (e para o Oriente Médio em geral). Alguém poderia fazer o favor de contar pra gente o que de fato está acontecendo lá? Imagina se o Obama vem a público e diz que não está nem aí pra Venezuela, e que por ele eles que se explodam? Claro que isso não vai acontecer, o que pode ser um indício de que os americanos talvez estejam mesmo por detrás das manifestações da oposição. Só que isso me leva a pensar o seguinte: olha só, dizer que os americanos estão manipulando a direita não é uma forma de menosprezar a oposição venezuelana? Uma forma de dizer: ei, olha, esses caras são tão imbecis que precisam que alguém lhes diga que bandeiras devem levantar. Os americanos não fazem nada sozinhos, e se eles usam republiquetas de banana como fantoches a culpa é de quem? Dos fantoches que se deixam usar ou dos agentes americanos que gostam de brincar com governos frágeis? Não sei, não tenho certeza.

Eu também gostaria de ter a certeza dos Black-Blocs, a paixão com que saem destruindo tudo que veem pela frente. Às vezes eu os entendo, porque em 2006 (ou 2007?) me meti em algumas manifestações em Florianópolis, uma contra a passagem de ônibus, e outra com o sindicato dos professores estaduais, e a sensação foi muito boa. Medo, por um lado, por ver policiais vestidos de preto, loucos para apertar o botão de início do caos (quando isso aconteceu eu fiquei longe do olho do furacão); e excitação, por outro, por estar, ilusoriamente, fazendo parte da história, fazendo parte da engrenagem que faz as coisas moverem-se adiante. Mas não tenho a certeza desses caras. Lutar contra a copa ou a favor do passe livre me parecem coisas irrealistas e bobas, soam apenas como escusas para que os jovens extravasem seus instintos rebeldes juvenis. Mas não tenho certeza disso também. Vai que eles estão certos, e que no final das contas nossos políticos percebam que não podem administrar o país à revelia dos seus cidadãos. Não foi a primeira vez que o Brasil tentou se candidatar pra sediar a copa, se não me engano, acho que tentamos outras vezes durantes os anos 90 (ou não?). Os clubes de futebol deveriam tomar a ocasião para modernizarem os seus estádios, mas o que a gente tem visto é o uso político do esporte (porra, Lula, que merda foi isso?). Na boa, me dê uma boa razão pra construir um estádio em Cuiabá e Manaus? Por que doze sedes e não oito ou dez? Mas sei lá, eu posso estar errado e a copa está sendo uma grande oportunidade para que os municípios sede façam obras de mobilidade urbana que de outra forma não teriam sido possíveis (as outras treze capitais que não vão receber jogos não terão investimentos federais em mobilidade?). E por falar nisso, quem é que compra esse papinho de ‘o gigante acordou’? Sério mesmo? Indígenas que lutam todos os dias para terem de volta as terras que lhes foram roubadas; trabalhadores sem terra que lutam para poderem trabalhar dignamente fora do esquema do grande latifúndio; moradores sem teto que não tem onde dormir; funcionários públicos que são obrigados a trabalhar em condições precárias; trabalhadores que são explorados por seus patrões; esse povo todo e muitos outros movimentos sociais nunca deixaram de lutar pelo que acreditam. Acho que quem estava dormindo era a classe média branca que assiste novela do Manoel Carlos. Eu acho, né, vai que no fundo a gente estava dormindo mesmo, e porque os policiais desceram o cacete num bando de jovens protestando contra o aumento das tarifas nas capitais a gente achou que isso era a gota d’água, e já que o mensalão virou símbolo do que há de errado com a política nacional, então estava na hora de dizermos que estávamos de saco cheio disso tudo. Mas o que eu entendo dessas coisas? Nada, não entendo lhufas, queria entender mais, mas é complicado, não tenho tido mais saco pra ler as análises de gente que acha que tudo é culpa do PT, ou daqueles que acham que é tudo culpa do PSDB e da mídia golpista.

Eu queria ter certeza de quem é o melhor Beatle: Paul, ou George, ou Lennon? Mas não tenho. Gosto muito do Lennon, mas sei que o Paul e o George eram melhores músicos que ele. Só que como é que alguém pode não gostar do Lennon, e do Paul, e do George, ou até mesmo do Ringo? Eu queria ter certeza de que Bob Dylan é o melhor letrista que já passou pela crosta terrestre, mas daí eu escuto David Bowie e Chico Buarque, e Caetano, e Noel Rosa e penso que todos esses caras eram muito fodas e eu não preciso escolher UM. Uma das poucas certezas que tenho é de que Fernando Pessoa foi o maior poeta que já viveu.

Eu queria ter certeza de que Deus existe, mas não tenho; nem tenho de que ele NÃO existe. Acho que deve ser fácil, quando surge algum problema, a pessoa rezar, conversar com o cara lá de cima, ou com o santo favorito dela, e ficar desejando que as coisas melhorem. Como eu não tenho certeza de que tem alguém lá em cima eu apenas torço para que as coisas melhorem e tento fazer o possível pra que isso aconteça. Acho que pelo menos me livro de gastar um tempinho que poderia ser mais bem usado com outras coisas. Mas vai que o juízo final existe mesmo; vai que quando eu morrer eu tenha que acertar as contas com alguém lá em cima, o que eu vou dizer? Mas sei lá, na dúvida eu prefiro ficar na dúvida, prefiro viver sem pensar muito nisso. Mas me diz como a gente vive sem pensar nisso, pelo menos de vez em quanto, depois de ter passado vinte anos pensando que a religião tinha todas as respostas? Pois é, não sei.

Eu queria ter certeza de que a Dilma é uma boa presidente, às vezes tenho, às vezes não; também cogito que uma mudança seria bom, pra dar uma oxigenada nesse sistema já meio enferrujado, só que daí eu olho para as opções e já não tenho mais certeza.

Tem dias que eu gosto de Heineken, tem dias que eu gosto de Stela, e tem dias que eu bebo Budweiser, só pra dali a pouco pensar “cara, que cerveja de merda, por que eu paguei R$2,50 por esse suco de sabugo?” Pois, é, não sei. Você deve estar pensando “putz, que mané sem personalidade!” e talvez você tenha razão, mas no fundo não sei por que é que a gente precisa de uma personalidade; e se essa for a minha personalidade? Também não sei.

Esquerda e direita

Política é aquele tipo de tema que mesmo aqueles que não gostam têm uma opinião sobre. Demorei para escrever por uma série de razões, mas a principal é que estou estudando para um concurso. Mas não resisti hoje e resolvi falar sobre isso, já que as eleições são no domingo. Há duas coisas que eu gostaria de falar: as noções de ‘esquerda’ e ‘direita’ e o papel da mídia no debate.

Apesar do que alguns dizem, depois da queda do muro de Berlim não caiu junto o comunismo e as ideologias não morreram. Cuba e China estão aí firmes e fortes. Claro, Marx não tem culpa do que fizeram com suas ideias. Mas, apesar de serem opiniões válidas, 99% dos seres pensantes acham as opiniões do Plínio de Arruda Sampaio no mínimo estranhas. Em pleno século XXI ninguém mais acredita na revolução do proletariado, afinal, todo mundo sabe que o proletariado quer virar burguesia. E todo mundo sabe que tirar a ditadura do capital para colocar no lugar a ditadura do povo também não funciona, pois tais regimes se mostraram mais opressores e cruéis do que os de direita (vide Mao e Stalin, embora não esqueçamos que as ditaduras de direita na américa latina fizeram alguns estragos sérios). Felizmente são outros tempos e acho no mínimo irresponsabilidade da mídia nacional propagar aos sete ventos que o PT está dando um golpe (via eleições, mas mesmo assim, tem um projeto maquiavélico de ‘tomar o estado de assalto’, como diria o Jabor) para se perpetuar no poder e silenciar a mídia de oposição. Creio que grande parte da militância que apóia o presidente Lula e a candidatura da Dilma discorda das últimas falas do presidente. Não que ele esteja errado (gostaria sim que o  DEM sumisse, seria um serviço à política nacional, embora a extinção de uma legenda só ocasionaria a mudança dos seus correligionários para outra legenda igualmente vazia de propostas, mas idelogicamente similar como o PSDB ou o PSC), o grave é um presidente assumir o papel de cabo eleitoral tão abertamente: nunca antes na história do país tivemos um presidente assim. Não vou criticar as críticas ao presidente: ele não lê, não estudou porque não quis, fala errado etc. Na boa, converse com qualquer cidadão médio e ele falará as mesmas coisas. Você, intelectual ou jornalista pode até não concordar com isso e dizer que ler e estudar é importante, mas você não pode fazer nada se o cara não tiver o mínimo interesse em ter um diploma universitário. Lula é um cidadão comum que chegou ao poder, apenas isso. E nós deveríamos nos orgulhar disso. Bush tinha um diploma e os americanos sãos se envergonham dele amargamente: ter um diploma não evitou que ele fizesse e dissesse coisas estúpidas. Na contabilidade das bobagens ditas e das realizações positivas, Lula ainda está no lucro.

Sinceramente, não sei de onde saiu essa lenda de que o governo quer censurar a mídia. Se a mídia é o 4° poder, duvido muito (mesmo!) que voltemos a ter censura no país. Acho que o equívoco está no pressuposto de que os meios de comunicação tenham que prestar algum tipo de serviço público. Não tem, em absoluto. Sim, o governo de alguma forma tem que regular o rádio e a televisão, embora poucos digam que as concessões de rádio e televisão no interior do país estão nas mãos dos políticos, não por acaso, de direita. Só pra finalizar esse ponto, pra quem não acha que as ideologias ainda existam é só olhar a candidatura de alguns deputados por aí: slogans vazios na prática, mas ideologicamente recheados abundam por aí: “pela família”, “para defender as tradições”. Tem até um que fica usando o fato de que alguns candidatos de esquerda são a favor do casamento gay e do aborto (em alguns casos, claro) como proposta: “eu votarei no congresso a favor da família brasileira”. Faça-me o favor, como se os abortos vão deixar de acontecer ou os homossexuais fossem parar de se relacionar porque não há uma lei que legitime a união civil deles. Os militantes de direita intelectualizados podem ser até a favor do aborto e do casamento homossexual. Só que acho que vocês estão do lado errado do espectro político, porque 98% dos seus correligionários não pensa assim, bem como pensam que o Bolsa Família, que o PSDB se orgulha de ter criado é esquema de compra de votos. Se o PSDB não tem culpa dos seus militantes dizerem essas coisas, por que a Dilma tem culpa de que alguns aloprados do PT acharem que a liberdade de imprensa tem que ser restrita?

Não cabe aqui debater quem está com a ‘verdade’, porque a verdade sempre está com quem se julga o dono dela. Aqui em União da Vitória (PR) tem um jornal cujo lema é “professa a verdade”, no mínimo rizível ou fora de propósito. O que a Globo faz está longe de ser um jornalismo sério e comprometido com a verdade ou a imparcialidade, ou vai dizer que a sabatina com os candidatos no começo da campanha foi imparcial? Ou vão me dizer que Veja e Época são imparciais? Claro, elas têm todo o direito de não o ser, ninguém contesta isso. Louvável pelo menos a atitude da Folha e do Estado de São Paulo, que se proclamaram serristas, como se a gente não soubesse. Pelo menos, e os ingênuos que ainda acreditam em imparcialidade, leremos esses jornais sabendo que puxarão a brasa para sua sardinha e repercutirão o que querem repercutir. Na boa, publicar notícias apenas de um candidato não pode ser considerado imparcialidade, muito menos atacar sistematicamente a situação com capas apocalípticas durante a campanha, ou elogiar um camarada que todos sabem que é culpado (a Veja elogiou o Roriz em uma edição qualquer aí algum tempo atrás). Novamente, o presidente se equivocou e exagerou na sua crítica, embora seja natural a sua reação, ninguém gosta de ser perseguido. Embora há várias pessoas dizendo que o PT tem um projeto anti-democrático, aqui no Paraná, quem insistentemente tem ida à justiça impugnar pesquisas é o candidato do PSDB. Embora em SP Alckim acuse o PT de ser violento, aqui na selva são os militantes de esquerda que são intimidados pelos militantes da direita, afinal por aqui a situação é PSDB: prefeito PSDB, os dois candidatos a deputado estadual são PSDB e o candidato a federal, embora do PR, apóia os candidatos do PSDB (pior pra ele, perdeu o meu voto), e em cada esquina do centro tem uma bandeira do PSDB. Por aqui as pessoas tem medo de dizer que votam no PT com medo de perder o emprego. A realidade é mais selvagem do que o escritório perfumado com Bom Ar de onde Reinaldo Azevedo e o Diogo Mainardi escrevem seus textos.