Latim em pó

O português que falamos no Brasil, ou o português brasileiro, tem um jeitão diferente do português europeu. Podemos nos perguntar por que ele tem essa “cara”, por que falamos do jeito que falamos, por que é diferente do português d’além mar. A resposta para essa pergunta só pode vir do estudo da História, e da história da própria linguagem, daquelas forças que agem para que as línguas mudem. O livro recém lançado de Caetano Galindo, Latim em pó: um passeio pela formação do nosso português (Companhia das Letras), narra essa aventura, emprestando o título da obra de outro Caetano, o Veloso, da canção Língua.
Caetano Galindo é professor do Departamento de Linguística e Literatura da Universidade Federal do Paraná, é escritor e tradutor de James Joyce, Tomas Pynchon, e David Foster Wallace, entre outros escritores. Toda a sua experiência como professor de linguística histórica (e também como artífice da palavra) está no livro. Sua habilidade em explicar (ou descomplicar?), pode ser atestada em cada página em que apresenta grandes teses que mudaram nossa compreensão do funcionamento da linguagem e do próprio português. Esse é o grande mérito dos bons livros de divulgação. Nesse aspecto, ler o livro não é apenas uma experiência de adquirir conhecimento, é também fruir uma história bem contada. Tenho certeza de que para o leigo será um agradável passeio, não apenas pela paisagem, mas também pela sintaxe adorável do guia. Além da introdução e da conclusão, são dezessete capítulos, que passam tão rápido que, quando vemos, já se acabaram. Caetano tem grandes poderes, e sabe usá-los com responsabilidade.
São dezessete porque a história é longa e há vários temas paralelos que acabam se aproximando. Assim, ele opta por começar a viagem partindo não do desembarque da língua nessas terras com Pedro Álvares Cabral e sua turma, mas partindo da história do latim. Uma história que em si poderia ser contada em outro passeio.
Alguns capítulos nos apresentam teses básicas da linguística, como a constatação de que todas as línguas mudam, de que todas variam no espaço e no tempo, de que as línguas podem interferir umas nas outras etc.; também desconstrói uma tese em particular sobre o português, a de que seria uma língua difícil. Os mitos sobre a linguagem em geral e sobre o português em particular são como insetos no campo. Por mais que a gente mate um, em pouco tempo aparece outro que precisará sem combatido da mesma forma. Se nem a astronomia está livre desses retornos (olha o povo da terra redonda por aí fazendo furdunço), quem dirá nós, meros estudiosos da linguagem que todos os anos precisamos convencer os calouros dos cursos de Letras de que não existe língua mais difícil que a outra, que as línguas não se degeneram, que os jovens não estão matando a bela língua do Padre Antônio Vieira e que hoje em dia ninguém mais sabe escrever…
Assim, a história começa com os romanos e seu império. Por isso ela demora um pouco para chegar até nós, um dos poucos defeitos do livro. Mas é necessário desenrolar essa cantilena, pois ela ilustra uma constante da história humana, e consequentemente, das línguas: o contato e a troca. Além de terem subjugado e dominado boa parcela do mundo da sua época, os romanos conseguiram a proeza de impor sua língua aos povos dominados, especialmente na Europa.
Como vemos até hoje, quando há comércio e troca cultural, também há troca linguística. Não é preciso ser um otaku pra saber o que é anime, sushi, sashimi, temaki e pra ter visto Jaspion ou Meu vizinho Totoro. Isso que o Japão está lá do outro lado do globo! Imagine o que aconteceu quando os romanos chegaram na península Ibérica ou na Gália? Com o contato, trocamos objetos, costumes, crenças e também as palavras. Essa troca é o que mais nos salta aos olhos, óbvio. Mas uma das grandes questões atuais é como esses contatos influenciam áreas mais profundas da gramática das línguas. Poderia mudar o sistema sonoro, a forma como conjugamos verbos, como colocamos pronomes, como construímos orações?
Aparentemente sim. Mas não pense que os romanos enviaram professores de latim bem treinados e munidos com métodos avançados de ensino de idiomas. Os enviados às províncias eram (geralmente) soldados, colonos e baixos funcionários da máquina imperialista. Ou seja, indivíduos de estratos sociais baixos. E o latim que elas levavam não era o que hoje se chama latim clássico, mas um latim popular, o latim do vulgo, o latim vulgar.
Algo similar ocorreu quando as caravelas de Cabral baixaram a âncora no litoral brasileiro. A história do português por essas bandas vai se confundir inevitavelmente com a nossa história. O contato do português com as línguas dos indígenas e dos africanos escravizados vai mudar a cara do idioma. Caetano aponta em vários momentos que esses contatos não geram consequência apenas no plano do vocabulário (na toponímia e nos nomes da flora e fauna). Essa é uma pergunta interessante que o livro explora: até que ponto o contato do português com as línguas indígenas e africanas foi capaz de mudar o português? Essa nossa tendência a formar sílabas com a estrutura consoante-vogal, eliminando encontros consonantais, seria um indício dessa influência, como nas palavras pneu, que pronunciamos “peneu”? A marcação de concordância nominal apenas no primeiro elemento da expressão, como em os menino, as pessoa seria outro?
Como o autor diz logo de cara, o livro não é uma história aprofundada, mas um passeio pelas etapas históricas de formação da nossa língua. Como o assunto é bom, e o guia experiente, falo com tranquilidade que vale a viagem.

Publicado no Jornal Caiçara, 04/03/2023 (https://jcaicara.com.br/2023/03/04/latim-em-po/)

Racismo e linguagem

O futebol profissional não é um ambiente saudável em muitas das suas práticas. Acho que ele reflete a nossa sociedade em muitos aspectos negativos (o tirar vantagem, a esperteza, a enrolação, o sentar em cima de uma vitória e achar que isso vai te garantir pra sempre um status…) e nos positivos (perseverança, criatividade, organização…). No jogo de ontem entre Flamengo e Bahia ocorreram dois episódios bem simbólicos. O xingamento ao juiz e a atitude racista do colombiano jogador do Bahia.

Xingar é do esporte, dirão muitos. Claro que é e sem a torcida conseguimos ouvir nitidamente muitos deles. Técnicos e membros de comissões técnicas agora sofrem com os xingamentos dos dirigentes, cuja presença é permitida na arquibancada, embora estejam lá no papel de dirigentes e não de torcedores (mas acabam se portando mais como os do último grupo).

O negócio é que Gabriel perdeu a bola na tentativa de driblar o zagueiro e manifestou sua insatisfação através de um palavrão. O juiz estava de costas para ele e entendeu que o jogador estava ofendendo ele por não ter marcado a falta. Puxou o cartão vermelho na hora e não teve discussão.

Acho que os jogadores reclamam só de teimosia, pois eu nunca vi juiz voltar atrás em decisão depois de ouvir os argumentos do jogador.

“Desculpa aí, professor, não foi pra você. Só fiquei frustrado porque perdi a bola.”

“Desculpas aceitas. Retiro o cartão.”

Não vai acontecer, piazada. Não se iludam!

O racismo é de outra esfera, mas eu acho que o princípio é o mesmo: a ofensa. Nesse caso, a ofensa é feita usando a raça do indivíduo, usualmente com um termo que adquiriu pejoratividade. Quantos de nós não crescemos usando termos como negão, negada pra falarmos com nossos amigos brancos? Não que isso desabone qualquer atitude racista de quem usa esses termos. Meu ponto é que a linguagem do nosso dia a dia está permeada por essas expressões. Tá na nossa boca e a gente não se liga disso.

A Alcione pode cantar “você é um negão de tirar o chapéu”, mas se um branco metido a sambista escrever “você é uma negona que me faz suar” aí eu já acho que pode ter gritaria.

Se um negro tivesse falado pro Gerson, cala a boca, negão!, seria racismo? Não, como não é preconceito quando um homossexual chama um amigo de viado.

Acho que falta uma discussão mais clara sobre isso na sociedade e nas escolas. As discussões dos jornais e das redes sociais muitas vezes não chegam ao povo (ou ao povão, se preferirem). Nem todo mundo tem noção de como esses termos são ofensivos, especialmente se usados numa atitude de xingamento. Então está na hora de falarmos claramente: não falem mais assim!

Muita gente parte do pressuposto de que as coisas são óbvias. Não são! Eu precisei ler textos de feministas para perceber quantas vezes eu tinha sido machista e escroto com mulheres. E até hoje eu luto com meu machismo, pois vivemos numa sociedade que nos cria (nós homens) para sermos assim. Esses comportamentos se naturalizam e repetimos eles sem muita consciência.

O mesmo se dá na linguagem, que é um reflexo cultural disso. Todas as línguas têm termos pejorativos para raças diferentes, grupos sociais diferentes, indivíduos com escolhas sexuais diferentes… por que mulherão é uma mulher bonita e mulherzinha é um termo pejorativo? O aumentativo e o diminutivo não têm nada que ver com isso, é a atitude, a intenção de quem fala.

A língua, enquanto entidade material, é só forma, o que dá às palavras negro, nego, negão, preto um caráter racistaé a atitude de quem usa. Mas quando eu uso essas palavras, talvez inocentemente, é impossível apagar delas esse peso, essa carga toda de décadas e séculos.

* * *

Tem uma entrevista com o John McWhorter em que ele fala bem claramente sobre esse tema.

– Vou dar uma pausa no blogue nesse final de ano pra me concentrar na escrita do capítulo de um livro. Volto em janeiro.

Duas negações: a intuição e a atitude dos falantes

Todo falante é capaz de usar a língua para falar dela mesmo. É a chamada função metalinguística. É uma capacidade que as crianças desenvolvem ali pelos 6, 7 anos, algumas um pouco mais cedo. Na medida em que ela vai falando mais e interagindo mais com os adultos, ela vai sendo ensinada a prestar atenção ao que diz, a pesar as suas palavras, percebendo que há palavras que não podem ser ditas, há palavras feias e há palavras bonitas.

E nunca mais deixamos de pensar sobre o que falamos, as palavras que usamos e o efeito que elas geram.

Profissionais da palavra, justamente por estarem lidando com ela no dia a dia, certamente estão mais propensos a refletirem sobre o seu instrumento de trabalho.

Felipe Neto se questiona:

“Eu não consigo fazer nada” para ele significa literalmente “eu consigo fazer alguma coisa”. Bom, talvez aí ele tenha usado o sentido de “literal” de modo equivocado. A frase em questão significa, literalmente: “Não existe algo tal que eu seja capaz de fazer esse algo”. Justo o contrário. Por que ela não significa o que Felipe Neto acredita que ela significa? Porque ninguém usou, usa ou jamais vai usar essa oração para descrever uma situação como essa que ele supõe que pudesse ser descrita por esta oração.

Mas ele é um falante nativo, isso indica que sua intuição pode estar equivocada? Não. Eu suponho que ele esteja repetindo algo que leu em algum lugar, porque esse é um fenômeno que volta e meia retorna, como aquelas teorias da conspiração imortais. [Já ouviu falar que as loterias da Caixa são viciadas?] O funcionamento das línguas obedece a uma lógica peculiar, não a uma lógica dedutiva, como a desse raciocínio que supõe que a soma de duas negações forma uma afirmação, como em “é falso que eu não vi a Maria”, que significa, literalmente, que “eu vi a Maria”. Mas veja que eu tive que fazer um volteio pra colocar as duas negações pra gerar uma oração com significado positivo: “é falso que …. não”.

O fenômeno é curioso porque há certas negações que só podem ocorrer sob a influência de outras negações. É o caso de pronomes negativos na posição de objeto em português. “ninguém viu o Felipe” é uma oração bem estruturada, mas “Felipe viu ninguém” não é, enquanto “Felipe não viu ninguém” seria a nossa maneira usual de dizer que “não é o caso que Felipe viu alguém”. Ou seja, a expressão que seria, em tese, negativa, ninguém, passa a significar positivamente “alguém”.

Essa lógica particular da língua me permite dizer que “Ele sentou na mesa” sem querer dizer que o indivíduo sentou “sobre” a mesa ou “em cima dela”. Outro caso é a dupla negação. Mas ela tem uma particularidade, tendemos a usar ela para negar algo enfaticamente. Se alguém supõe, acreditando que é o caso, que eu gosto muito de chuchu; para desfazer o equívoco, eu tenderei a responder: “Eu não gosto não”. E não quero dizer com isso que eu gosto de chuchu, mas quero ter certeza de que o meu interlocutor está equivocado ao me atribuir um predicado desse tipo.

Sírio Possenti já tratou disso tem uns anos. Outro texto esclarecedor sobre o tema é este de Sérgio Rodrigues, escrito neste ano. O primeiro recorre a Machado de Assis, o segundo a Fernando Pessoa, para ilustrar que essa dupla negação está no idioma já faz um bom tempo e se encontra na caneta dos nossos melhores escritores.

Um pequeno livro sobre linguagem e linguística

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Esse é o primeiro livro que leio do David Crystal. Ele é famoso por ser um prolífico divulgador da linguística. Em português temos algumas traduções de livros seus, como ‘A Linguística’ (1973) e ‘A revolução pela linguagem’ (Zahar, 2006) e ‘Dicionário de linguística e fonética’ (Zahar, 1988).

O livro de que falarei está traduzido como Pequeno tratado sobre a linguagem humana (Saraiva, 2012, trad. Gabriel Perissé), e não sei por que diabos eu fui começar minha incursão na obra do Crystal justamente por ele. Quer dizer, acho que sei. Na verdade, tenho me interessado (e tentado fazer, além de escrever só aqui) pela divulgação científica em linguística – portanto, nada como ler o mestre – e o título do livro me atraiu, confesso.

David Crystal é formado em Inglês pela University College London. Trabalhou por vários anos na University of Reading e no momento é professor honorário de linguística na University of Wales. Mais sobre ele e suas obras pode ser encontrado na sua página.

A Little book of language (UNSW Press, 2010, 261 págs.)  é uma coleção de 37 textos curtos, que cobrem tópicos bem variados.

Os sete primeiros capítulos tratam da aquisição da linguagem. Começando com o domínio dos sons, passando pela estrutura das palavras, pela oração e chegando na conversação. Em seguida ele entra no aprendizado da leitura e da escrita, discutindo alguns aspectos da ortografia no capítulo 10.

Em seguida o livro passa a discutir aspectos variáveis, como noções de dialeto, sotaque e bilinguismo. Esse tema volta posteriormente em capítulos como o 21 e 22, que tratam de mudança linguística e variação linguística, respectivamente.

Depois dessa primeira metade, que parece ter mais unidade, a segunda une uma série de temas como as origens da fala (cap. 15) e da escrita (cap. 16), línguas de sinais (cap. 18), a morte das línguas (cap. 20); um subgrupo de capítulos trata de questões lexicais: gírias (cap. 24), dicionários (cap. 25), etimologia (cap. 26) e nomes de lugares (cap. 27) e nomes de pessoas (cap. 28). Como é um livro de divulgação, não espere grandes profundidades no tratamento desses temas.

O mesmo acontece em outros capítulos em que discute alguns temas mais complexos, que, acho eu, por serem interessantes, poderiam receber um tratamento mais aprofundado. É um livro de divulgação, não esqueçamos. Portanto, não chega a ser um demérito a forma como ele discute a expressividade (cap. 33), o politicamente correto (cap. 34) e o uso da língua na literatura (cap 35).

Como os capítulos são curtos, cinco e sete páginas em média cada um, é de se esperar que os temas sejam tratados superficialmente. O estilo dele é envolvente. Não perde tempo com termos técnicos (só num caso ou outro) e suas explicações são bem claras. Pensando no meu background, o livro não trouxe grandes novidades, mas suponho que um leigo ou um aluno de letras ali nos primeiros semestres certamente achará livro informativo.

 

 

Linguagem e linguística na web

(atualizado em 05/09/2019)

Já comentei aqui que temos poucos lugares na web que tratam de linguagem e linguística de um ponto de vista científico. Por outro lado, se você quiser aprender a diferença entre emigrar e imigrar, vai achar sites e blogues aos montes te ensinando a diferença.

Abaixo compilei uma lista de alguns desses lugares, pelo menos daqueles que conheço e acesso frequentemente (ou pelo menos tento). Se vocês conhecem outros, por favor, me avisem nos comentários e aos poucos vou melhorando essa lista. [atualizado em 22/04/2019]

Blogues e sites

– Sírio Possenti (Unicamp) escreve com frequência para o site Rede Brasil Atual. https://www.redebrasilatual.com.br/blogs/dito-e-feito

– Blogs Unicamp: é uma iniciativa de divulgação científica da Universidade Estadual de Campinas. Tem textos de todas as áreas. Para encontrar os textos de Linguística é só clicar na nuvem de tags nos termos ‘linguística’ e ‘linguagem’. https://www.blogs.unicamp.br/

– Roseta: revista de divulgação científica em Linguística. É uma iniciativa recente da Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN). Está engatinhando. Espero que a comunidade de linguistas brasileiros abrace a ideia e mandem textos. http://www.roseta.org.br/pt/

– O programa linguisticalista:  https://oprogramalinguisticalista.wordpress.com/ (pouca frequência de atualização)

– Letronomia: http://letronomia.blogspot.com/ (pouca frequência de atualização)

– Linguística de Boteco: https://linguisticadeboteco.home.blog/

Páginas no Facebook

https://www.facebook.com/letronomia/

https://www.facebook.com/linguisticadocotidiano/

 

Em inglês

Superlinguo: https://www.superlinguo.com/

Esse blogue postou recentemente uma lista parecida com a minha com fontes de sites, blogues e podcasts sobre linguagem e linguística em inglês.

Babel: https://babelzine.co.uk/

Revista de divulgação científica em linguística. É paga, mas tem um exemplar grátis para degustação no site.

Canais da Parábola: A Editora Parábola, uma das principais editoras da área de Linguística no país, possui um blogue e um canal no Youtube.

https://www.parabolablog.com.br/

https://www.youtube.com/channel/UCAEh1aERhPpBtM4MMnvPFGA

 

Canais no Youtube

Enchendo Linguística: https://www.youtube.com/channel/UCB-6vpF2TxHJE7gQ3fktzVw/featured (infelizmente eles fizeram poucos vídeos).

Planeta Língua: canal de Aldo Bizzocchi. (O canal tem sido atualizado com frequência)

https://www.youtube.com/channel/UCq4W_eaAREOOz0uvz4wIfZA

Jana Viscardi: https://www.youtube.com/channel/UC9h2vDtQXEiD0O4aVubsYYA

Academia Brasileira de Letras

https://www.youtube.com/channel/UCt5H6DFGPM5ZW3vZuOIhlTA

A grande maioria dos videos são palestras gravadas com convidados ou acadêmicos falando sobre literatura. Há algumas sobre língua e gramática, como a do José Carlos Azeredo e a do Ricardo Cavaliere (há duas) e uma com o Evanildo Bechara.

The Ling Space: https://www.youtube.com/user/thelingspace/featured (em inglês, sobre linguística em geral)

Sacha: https://www.youtube.com/user/sashyenkaUS/featured (em inglês, mas que trata de língua portuguesa)

Podcasts

Lingthusiasm: https://lingthusiasm.com/ (em inglês)

O Anticast fez um episódio tratando de palavrões: http://anticast.com.br/tag/linguistica/

Língua Livre: https://soundcloud.com/lingualivre (Primeira iniciativa de um podcast sobre linguagem e linguística. Só tem um episódio por enquanto.)

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Por que “fake news” funciona: a linguística da mentira

Se eu batesse na sua porta, tarde da noite e dissesse: “Me esconda, por favor! Estou sendo perseguido por agentes da KGB.” Você pensaria que eu enlouqueci. Mas como você chegaria a essa conclusão? Se eu sou seu amigo, confiei em você para me esconder, por que você não acreditaria em mim?

Se você é bem informado, deve saber que a KGB (o serviço secreto soviético) não existe mais e que a probabilidade de eu, Luisandro Mendes de Souza, um mero pai de família de classe média, professor universitário e flamenguista ser um espião também é nula. Ou seja, você se baseou nos fatos, ou melhor, nas relações que a afirmação “Estou sendo perseguido por agentes da KGB” tem com o mundo. Para que essa frase fosse verdadeira seria preciso que eu fosse um espião (ou algo parecido) e que a KGB ainda existisse. Como nenhuma dessas condições é preenchida (talvez tenha outras), você conclui que eu devo ter enlouquecido.

Mas agora, veja as afirmações seguintes:

(1) O Lula é dono da Friboi.

(2) A Dilma é dona de uma fazenda gigantesca no Mato Grosso com milhares de cabeças de gado.

(3) Jesus Cristo caminhou sobre as águas.

Considere (1). Por que tanta gente acredita nela (vai saber, né? Ou acreditou por tanto tempo), mesmo não existindo nenhuma prova material de que é esse o caso? O que nos leva a tomar como verdadeiras afirmações que carecem de base factual? O mesmo vale para (2) e (3). (3) é um dogma religioso. Por que acreditamos nesse milagre, mesmo sabendo que ele nos foi contado por alguém que escreveu essa história há quase dois mil anos, e que provavelmente não testemunhou o milagre, alguém contou a ele? Literalmente é uma fofoca: alguém contou para ele e ele está contando para a gente. Por que não tomamos (3) como ficção ou mito?

O filósofo Paul Grice (1913-1988) propôs que existe o que ele chamou de Princípio de Cooperação, uma espécie de acordo tácito entre os falantes de uma língua, que diz que todos fazemos afirmações que contribuem para os propósitos da conversa em que estamos envolvidos. Claro que esse princípio é uma idealização, mas tem um poder explicativo muito poderoso. Ele inclui ainda algumas máximas e a que nos interessa é a da Qualidade. A Máxima da Qualidade especifica que i) não afirme o que acredita/sabe ser falso e ii) não afirme algo para o qual você não possa fornecer evidências. Seria o paraíso se todos se comportassem assim.

A mentira funciona justamente porque temos uma tendência muito forte a obedecer o princípio da cooperação e acreditar que a pessoa com quem estou conversando está seguindo as máximas, principalmente a da qualidade. As conversas seriam muito complicadas e cansativas se a cada afirmação que meu interlocutor fizesse eu duvidasse da veracidade delas. Claro, talvez possam existir situações em que estamos dispostos a violar essas regras. Por exemplo, um pai pedindo explicações a um filho por algo que ele tenha feito de errado. O pai supõe que a probabilidade de o filho falar uma mentira é alta, principalmente se o filho já fez isso antes e teme alguma punição. Ou um investigador de polícia interrogando um suspeito de um crime.

É possível que outros fatores estejam envolvidos, como ideologia. Acredito em afirmações que carecem de base factual porque elas se encaixam na minha visão de mundo. Em função de toda a ajuda que o governo federal deu à JBS, alguém supôs que ela pertencesse a Lula, ou alguém mentiu mesmo só para ver se a mentira colava (e colou). Mas caras como Trump, ou Dória, ou Bolsonaro, sabem que podem afirmar o que quiserem, verdade ou não, que ninguém vai se importar. A menos, claro, que seja algo muito estúpido, tipo, “A terra é plana”, ou “Vacinas causam autismo” (uma tese menos estúpida, mas que carece de evidência, afinal, autismo não se adquire depois do nascimento).

Essa onda de se criar notícias falsas recebeu até um nome bonito “pós-verdade”. Um nome que me passa a conotação de que a era da verdade acabou, como se fosse datada. É coisa velha falar a verdade. Não deveria ser assim. Estamos, perigosamente, caminhando para a era da “não-verdade”, ou da mentira deslavada.

A mentira sempre existiu no debate político. Isso é um fato. Quando Regina Duarte afirmou que tinha medo que Lula ganhasse a eleição numa propaganda do PSDB muita gente acreditou. Um pouco em função da imagem que Lula tinha construído para si nos anos 1980-1990, a de um sindicalista radical que ia decretar a moratória da divida externa e acabar com a propriedade privada (risos). Personalidades públicas dão um ar de credibilidade ao que afirmam. Se a Fátima Bernardes diz que os produtos Seara são de boa qualidade, por que eu duvidaria, se ela todos os dias entra nos lares das pessoas falando sobre muitos assuntos?

Da mesma forma, por que eu duvidaria de uma afirmação de Bolsonaro, que eu sei que está do meu lado e não mentiria para mim (se eu estivesse do lado dele, o que não é o caso deste que vos fala)? Por que eu duvidaria de uma afirmação do Lula, que eu sei que também não mentiria para seus eleitores? Simplesmente não me dou ao trabalho de duvidar do que os políticos e jornais afirmam porque é mais fácil acreditar em afirmações que se enquadram na minha visão de mundo.

As redes sociais são pulverizadoras de mentiras. Deveríamos combater isso. Muitos grupos na nossa sociedade não estão interessados na verdade ou no bem comum. No debate político o objetivo principal é um só: o poder. É óbvio que de posse do poder grupos políticos diferentes irão tomar decisões baseadas em programas políticos, ou declarações que fizeram na campanha eleitoral. Ficar de olho no que eles afirmam deveria ser a regra. Não deveríamos aceitar generalizações, que também são falsas, como “Todos mentem”, ou “Todos são iguais”, que só ajudam os mentirosos e os canalhas.

Outro fato que me assusta: por que as pessoas acreditam que há um programa nacional de doutrinação comunista nas escolas e que isso precisa ser combatido? Por que se acredita nessa tese, vindo ela de pessoas que acreditam em afirmações como: “Jesus andou sobre as águas”, “O PT quer instalar o comunismo no Brasil”, “Os homossexuais estão destruindo a família”, “Reduzir a maioridade penal traz mais segurança”? Ora, talvez porque eu já acredite em todas estas, porque eu não acreditaria naquela também?

Linguística para quem?

A gente lê por alguns motivos: para aprender com o texto, para tirar dele uma informação e por passatempo, prazer. O livro do Gabriel de Ávila Othero, ‘Mitos de Linguagem’ (Parábola, 2017) devia ser lido por prazer. Mas, a minha experiência me diz que os capítulos do livro serão copiados, lidos e discutidos nos cursos de Letras (talvez em outros, quem sabe) por esse país afora. É muito pouco para um livro dessa natureza, ele deveria pular os muros da universidade e ser lido nas escolas e por curiosos em geral.

Tem altos debates em congressos e publicações especializadas querendo entender por que os linguistas são tão pouco ouvidos ou consultados em debates sobre linguagem na sociedade. A razão, na minha modesta opinião, é que só se escreve introdução à linguística para servir de manual para aluno de Letras (é uma produção bibliográfica pra auto-consumo). Ninguém escreve pra ser lido por professores ou leigos em geral. (Tem poucos, muito poucos na academia que tentam fazer isso). Claro, sempre tem que vá dizer: peraí, meu, quem é que tá interessado em saber sobre pressuposição a não ser aqueles que estudam pressuposição? O problema não é escrever linguística para consumo próprio (apenas para alimentar a indústria do livro que só circula na universidade), o problema é escrever só com esse objetivo.

Voltando ao livro, o barato dele é tocar em temas que a gente não encontra facilmente em outras publicações introdutórias por aí. O livro está organizado em torno de 10 mitos, isto é, concepções equivocadas que os leigos possuem sobre a linguagem. O primeiro capítulo discute o mito “as mulheres falam demais”.

Esse mito é interessante, pois se conecta com o momento em que vivemos em que se discute tanto o papel da mulher e as violências que sofrem. A interrupção (já me peguei fazendo isso), a explicação (masplaining), ou dar mais atenção ao que os meninos falam (como professor num curso em que a maioria é mulher, é difícil diagnosticar isso, mas pode ser que aconteça). Esse tipo de discussão é importante por mostrar atitudes que temos que (nós homens) somos incapazes de perceber que são violências dissimuladas – a ministra do supremo Carmen Lúcia reclamou disso semanas atrás.

Tem outros mitos legais debatidos: ‘a gramática do português não tem lógica’; ‘ninguém fala o português correto’; ‘a língua portuguesa é uma das mais difíceis do mundo’; ‘a ortografia do português é cheia de exceções’; ‘todo mundo tem sotaque, menos eu’. Esses capítulos tratam especificamente de questões relacionadas com a nossa língua. Eu gostei particularmente do capítulo que envolve a lógica (ou a falta dela) da gramática. Os exemplos de definições problemáticas são bem ilustrativos dessa percepção. Um dos problemas é que a gramática escolar ainda se vale de uma metalinguagem que nos foi legada por gregos e romanos. Todos estamos de acordo que coisas como ‘pronomes’ existem em nossa língua. A questão é que definir a classe como ‘a palavra que substitui o nome’ talvez não seja a melhor definição; e que talvez nem tudo que esteja dentro da classe seja pronome.

Como disse o Mattoso Câmara Jr., as línguas humanas tem uma lógica diversa da lógica ordinária. E é tarefa do linguista descobrir essa lógica. Claro, vai ver a gente ainda não descobriu a lógica do funcionamento de algumas regras do português, e tem outras, claro, que são pura invencionice de gramático, como a discussão sobre os porquês, no capítulo que trata da ortografia.

O capítulo é muito bom, discutindo dois aspectos que explicam porque falamos as palavras de um jeito e escrevemos de outro: a fonologia e a etimologia. Nossa escrita é uma tentativa de representar os sons, e ao mesmo tempo quer preservar a herança lexical latina. Não dá pra respeitar 100% as duas coisas. Claro, ele ainda podia ter citado o fato de que no caso português, o Vocabulário Ortográfico elaborado pela Academia Brasileira de Letras é um guia para a grafia das palavras, e que o Acordo tem mais de político que de linguístico. Logo, tem um baita grau de arbitrariedade na decisão sobre a grafia de uma palavra.

Um segundo grupo de textos debate mitos relacionados com conhecimento linguístico geral: ‘a língua dos índios é rudimentar’; por que é difícil aprender uma língua estrangeira depois de adulto; a comunicação animal; a eficácia de tradutores automáticos. Gabriel mostra com detalhes como o mito envolvendo as línguas indígenas é infundado. Não vou entrar nos outros capítulos para não me alongar muito. Acho que os assuntos deles já mostram que são interessantes.

Carlos Alberto Faraco, na conferência de abertura do Congresso da Abralin em março deste ano na UFF, em Niterói, falou justamente da relação entre o conhecimento acadêmico e o conhecimento popular. O papel da ciência é de esclarecer o debate público e político (na medida em que decisões políticas baseadas em argumentos racionais trazem melhorias para a sociedade como um todo). No caso da linguística, livros como os do Gabriel cumprem um papel importante nesse diálogo. Ele é escrito para apresentar de maneira didática questões e resultados de pesquisas que dificilmente estariam acessíveis para um público mais amplo, mesmo para estudantes de Letras.

 

Estrutura argumental e discurso

O número de complementos de um verbo e os papéis temáticos que esse verbo atribui a esses participantes é um tema que pode ser tratado de diferentes perspectivas. Posso olhar para isso considerando o papel do léxico, o papel da sintaxe, ou o papel que essas propriedades possuem para a situação descrita e/ou seu papel composicional. Comparando (1) e (2),

(1) João abriu a porta com a chave.

(2) A porta abriu com a chave.

vemos que do ponto de vista lexical abrir é um verbo que descreve uma situação que pede pelo menos dois participantes, quem abre e o que é aberto. Do ponto de vista sintático abrir é um verbo transitivo direto, que toma como sujeito e objeto sintagmas nominais e atribui a eles um papel temático qualquer.

Na voz ativa, se o verbo possui dois argumentos, um paciente e outro agente, em 99,9% dos casos o português vai transformar o agente em sujeito e o paciente em objeto. Do ponto de vista composicional, (1) expressa que existiu uma situação de abrir em que João foi o agente, a porta o paciente, e a chave foi o instrumento usado na situação. Claro, a explicação para (2) pode ser o trabalho de um semanticista-lexicólogo quanto de um sintaticista. Afinal, o que permite que o verbo abrir construa uma estrutura com um sujeito paciente? É o fato de ele pertencer a uma classe lexical, ao que tudo indica, ou isso não interessa, temos verbos no português que permitem um uso intransitivo, e informações semânticas são secundárias?

O fato é que os verbos possuem uma estrutura que pode ser maleável. Com isso quero dizer que com um verbo como abrir eu posso criar com ele diferentes estruturas sintáticas para descrever a mesma situação:

(3) A porta foi aberta (por João).

(4) A chave abriu a porta.

(5) A abertura da porta (pelo João) (com a chave)

Veja que há construções em que posso omitir o agente, como (2), a forma ergativa,  (3), a passiva, (4), o instrumento foi alçado a sujeito, e (5), uma nominalização. A função referencial dessas estruturas é relativamente a mesma, mas a função textual/discursiva não.

Isso nos mostra que o falante possui à sua disposição, com alguns verbos, uma gama de opções linguísticas para descrever os acontecimentos que pretende comunicar. E a escolha por uma dessas alternativas pode ser regida por vários fatores discursivos: o tópico do discurso (do que estou falando), relevância comunicativa (às vezes não interessa quem foi o agente ou não se sabe) ou motivações socioideológicas (cf. A gasolina aumenta amanhã é um manchete que oculta o fato de que há um agente público, o governo federal, que realizou o aumento; e me parece que expressar ou ocultar agente públicos em notícias depende da simpatia do grupo de mídia).

Segundo reportagens, parece que armas podem disparar sozinhas. Por isso é comum vermos manchetes como:

(6) Arma dispara sozinha e acerta policial em Porto Alegre. (R7, 08/12/2010)

(7) Arma dispara e mata trabalhador autônomo em Campos. (Notícia Urbana, 21/07/2016)

Nos dois casos as armas estavam na cintura dos indivíduos atingidos. Mas temos casos em que alguém disparou a arma, tem um agente na ação, mas o redator escolhe não expressá-lo por não querer imputar culpa a esse agente, mesmo que na matéria se leia depois: “Segundo a Polícia Civil, o disparo foi feito por um amigo dele, da mesma idade”.

(8) Arma dispara e mata amigo de 12 anos. (VGNews, 21/08/2016)

Veja que isso nos dá outras estratégias de indeterminação do sujeito, além da tradicional apontada pela gramática escolar com o verbo na terceira pessoa do plural ou com pronome de indeterminação se. Quero dizer com isso que no caso de verbos como abrir ou disparar posso tranquilamente ocultar o agente da ação utilizando um recurso que o verbo me disponibiliza pela sua estrutura sintática, isto é, posso alçar o paciente a sujeito.

(9) Assaltaram a farmácia da esquina.

(10) Bandidos assaltam farmácia.

(11) Farmácia foi assaltada.

Note agora que em (10) temos um sujeito linguístico, bandidos, mas que é uma expressão que se refere a um grupo indefinido. Normalmente essas manchetes não trazem os nomes dos envolvidos porque não é relevante, mesmo que depois eles sejam presos. Uma manchete como João da Silva e Marcos Moreira assaltam farmácia só é relevante se os personagens são conhecidos do público leitor do jornal. Assim, é mais comum vermos ao invés de (10) a manchete em (11).

Eu ando meio desleixado com o blogue. Andei escrevendo mais no Medium, minhas ficções, por isso não postei mais nada aqui. Vou publicar só por lá minhas aventuras na prosa, e vou deixar o blogue só pra falar de linguística ou outras coisas que me deem na veneta. medium.com/@luisandromendes

Quem decide se uma pronúncia existe?

Um dos negócios mais difíceis de colocar na cabeça das pessoas é que não tem um valor intrínseco nas formas linguísticas. Mortadela não é mais correto que mortandela como uma verdade absoluta inquestionável. Depende, essencialmente, do valor que o grupo de falantes da língua dá praquela forma.

“Uma variedade linguística “vale” o que “valem” na sociedade os seus falantes, isto é, vale como reflexo do poder e da autoridade que eles têm nas relações econômicas e sociais”. É o que disse o italiano Maurizzio Gnerre em um livrinho clássico chamado Linguagem, escrita e poder (Martins Fontes, 1985). Isso quer dizer que quando temos opções na língua, quando vemos grupos sociais utilizando formas distintas, é inevitável que se atribuam valores sociais àquelas formas. Assim, mortandela não é errada em si mesma, é errada porque um grupo de falantes usa essa forma, e esses falantes normalmente são pouco escolarizados. Mortadela é a forma correta porque é a forma registrada nos dicionários e está associada à escrita, pois é a forma que as classes escolarizadas utilizam.

Na semana passada um médico tentou tirar um sarro de uma paciente que falou peleumonia e raôxis (se você não sabe do que eu estou falando, clica aqui). Por que tem gente que acha engraçado o falar diferente? Por que Framengo, praca e adevogado são pronúncias engraçadas?

Já se falou em preconceito linguístico e preconceito social. Rio dessas formas porque não gosto da classe social que as utiliza, e a fala é uma forma de eu criticar ou manifestar meu desprezo. Posso desprezar outros produtos culturais de uma classe social, como a sua música, a sua dança, sua produção escrita, seu vestuário etc. Falar de sexo numa letra do AC/DC não tem problema, mas num funk tem.

Isso tudo fica um pouco mascarado porque tem toda uma complexa rede de instituições que atuam para criar o que se chama de Norma Padrão. Como qualquer língua humana é intrinsecamente variável, isto é, varia na pronúncia, na forma das palavras, na aplicação das regras, no vocabulário, historicamente se cultiva uma variedade que aos poucos vai se tornando limpa, digamos assim, de regionalismos. As instituições que atuam no cultivo dessa norma são a escola, os gramáticos, os dicionários, a imprensa, os intelectuais, ou seja, a própria sociedade. São esses atores que controlam o que é e o que não é português. E esse controle se baseia principalmente na associação à escrita (se a pronúncia é mais próxima da escrita é mais correta), ou no valor do grupo social que usa a forma. É o caipira que fala poRta (usando o erre retroflexo), ou o colono do interior da região sul que usa o erre fraco (o tepe) onde o resto do Brasil usa o erre forte (o vibrante), em palavras como rato, serra etc.

Assumir que mortandela e peleumonia existem seria o mesmo que dizer que a minha língua vale tanto quanto a dele. Isso quer dizer que já não sou mais tão especial assim, que minha língua não é mais expressiva e clara que a da minha empregada. E esse pensamento assusta algumas pessoas.