Algumas questões sobre a pirataria

Ando meio preguiçoso pra escrever, por isso a falta de atualizações por aqui. Falta assunto, às vezes, claro. Como o George, de Seinfeld, que num episódio percebe que é um sujeito sem ter muito o que dizer, mas daí Jerry diz pra ele: “tá, mas por que você me liga 6 vezes por dia?”. Por que eu escrevo tanto no facebook então? Bom, por que falar de pirataria? Porque é um assunto confuso e do qual pouco entendo, e parece que pouca gente faz questão de esclarecer, colocando no mesmo saco o carinha que baixa música simplesmente porque não tem dinheiro pra comprar um cd de R$40 ou o site de armazenamento online de arquivos (que ganha com publicidade e assinaturas para download mais rápido). No fundo o que deixa as corporações mais chateadas deve ser o fato de que alguém está ganhando dinheiro com o produto delas.
Talvez possamos dividir a pirataria em duas principais categorias: a) aquela que rende dinheiro pro pirata, e b) aquela que não rende dinheiro pro pirata, que consegue o produto de graça. A ocasião faz o ladrão: é de graça, por que vou pagar? Veja que no caso (a), podemos ter todo tipo de pirataria: digital (dvds que são vendidos nas ruas, armazenamento online de filme cujo site vende subscrição, etc.), intelectual (acesso free à livros, o library.nu está cometendo um crime? Acho que a Cambridge e a Oxford University Press diriam que sim), outros (bolsas de grife, tênis, camisetas de time, mochilas, bonés, etc.).
Acho muito raso colocar a culpa no sujeito que baixa música ou filme, no pós-graduando que baixa um livro (como se ele fosse imprimi-lo e saísse vendendo cópias pelo campus), ou no carinha que compra um boné falso da Nike ou da Adidas (afinal, ele só quer usar uma marca pela qual ele não tem condições de pagar o preço pelo original). Sabe-se que o grande custo de muita coisa chama-se ‘valor agregado’ (já se perguntaram por que o Neymar ganha o que ganha?). Não é o custo de produto em si, mas o quanto as pessoas querem ele. Claro que um tênis de R$400 deve ser de ótimo qualidade, mas quando muitas pessoas tem acesso a ele, é óbvio que o objeto perde o seu caráter de exclusividade (por isso edições limitadas de qualquer coisa são caras).
O foco do combate à pirataria não deveria ser os blogues que compartilham linques, deveria ser os sites que armazenam arquivos sem controle de quem está subindo o quê; a polícia deveria retirar os produtos dos grandes contrabandistas que importam tênis pirata da China ou do Vietnã e não do ambulante que só vende isso porque não tem outro emprego. Recomendo fortemente o filme ‘Steal this film’ (I e II), dá pra baixar por vários lugares. Acho a discussão interessante, porque ela foca na questão da revolução do compartilhamento de informação, algo ao qual a indústria do entretenimento ainda não se adequou. Há outra forma de consumir conteúdo e os produtores de conteúdo deveriam se adequar à isso. Entre não ganhar nada e vender um DVD por um preço honesto (digamos R$5), parece que as indústrias preferem não ganhar nada; entre não ganhar nada e vender uma música por um preço honesto (digamos uns R$0,50) preferem vender por (R$2); Agora pense no caso das outras formas de pirataria (mochilas, bonés, camisetas, bolsas, tênis, etc.). Uma fábrica de tênis ou de camiseta de time não deve ser no fundo de um quintal ou num barraco qualquer em uma favela paulista, carioca ou mineira, precisa ser num lugar com acesso fácil à logística e funcionários. Agora me diz por que eu nunca vi uma manchete do tipo: fechada fábrica que produzia mochilas pirata? Preso empresário que fabricava camisetas falsas de time sem pagar direitos de uso de imagem? Tem a questão da geração de empregos, que creio que se resume a uma forma de escravos de jó, tira-se os empregos da produção ilegal de produtos e se coloca para a produção legal (além da geração de dividendos advindos de impostos de importação e comércio legal), não seria legal se voltássemos a ter lojas de cd, lp e dvds? Seria, claro, mas infelizmente o caminho é sem volta. Como a lojinha da sua cidade pequena vai competir com Livraria Cultura, Fnac, Saraiva, Amazon que vendem barato e em compras altas dão frete gratuito dá pra acumular pontos pra descontos em compras futuras? As locadoras também tendem a morrer (a Blockbuster que o diga), é mais fácil assinar uma Netflix, um Terra TV, baixar um filme, alugar online, comprar pela tv por assinatura do que sair de casa e ir até a locadora.
Antes de terminar, queria falar um pouco dos livros. No Brasil temos o que me parece já ser uma tradição de fotocopiar livros e capítulos de livros em universidades. Quando estive nos Estados Unidos não vi nada parecido com as nossas fotocopiadoras universitárias. Nos cursos que fiz os professores disponibilizavam os textos das aulas digitalizados nas suas páginas ou na página do curso com acesso restrito só para quem estivesse matriculado na disciplina. Mas não vi fotocopia ou digitalização de livros, apenas capítulos. Na biblioteca da universidade havia scanners disponíveis se você quisesse digitalizar um texto e se quisesse fotocopiar alguma coisa também tinha fotocopiadora que funcionava por créditos que se colocavam no cartão da biblioteca. Tá, e se na disciplina o professor decidisse utilizar um livro texto? As pessoas compram o livro, claro. Sempre tem um ou outro com uma versão digital do livro, mas são poucos. Aqui as coisas se invertem, quem compra o livro é minoria. A consequência disso é que se vende pouco livro universitário no Brasil, logo as editoras publicam poucas unidades em cada tiragem, o que encarece os custos de produção (trabalhei em gráfica e sei que o custo de produzir 1000 ou 2000 livros é pouco do menor para o maior). Só que não adianta a editora produzir 2000 livros que levarão 10 anos para serem vendidos. Me incomoda o fato de não ter uma livraria dentro da minha instituição de ensino superior que se tanto se orgulha de formar professores (que não consomem livros!). A questão não é apenas a inexistência da livraria, nem o custo do livro em si. É a falta de incentivo público: o governo poderia subsidiar livros universitários, dar um auxílio-livro para professores universitários e professores da educação básica, uns R$50 mensais pra mim estaria muito bom, dá pra comprar um ou dois livros por mês. E quando o livro está esgotado? Aí não tem jeito, me desculpem, mas copio mesmo. Eu queria muito adquirir o livro do G. Frege “Lógica e filosofia da linguagem” que há muito tempo estava fora de edição (descobri escrevendo esse texto que tem uma edição nova de 2009 da Edusp), procurei em sebos e nada. Não copiei o livro, mas eventualmente iria fazer isso caso o livro não fosse relançado, felizmente o foi.  Pra finalizar esse ponto, não acho problemático copiar capítulos de livros ou periódicos para uso acadêmico.
A humanidade sempre compartilhou informação, excluir quem não pode pagar por ela é injusto, no mínimo (assim como a Capes limitar o acesso aos periódicos que assina às instituições com pós-graduação strictu senso, pelo menos foi o que me disseram como justificativa para a FAFI não ter acesso ao portal de periódicos da Capes). Nos anos 80 e 90 copiavam-se fitas k7 e fitas de vídeo-k7 deliberadamente, dava trabalho, mas era comum pedir a um amigo pra copiar um lp, cd ou fita mesmo para outra fita. Acho que pelo andar da carruagem daqui a pouco vamos ter que pedir praquele amigo que assina sky para gravar os episódios das séries para distribuir aos amigos ou praquele que comprou o mp3 do disco novo do Radiohead pra passar pro meu pen-drive. O compartilhamento sempre vai existir, a indústria querendo ou não.

Linques:

Quem fatura com a pirataria

Roube este filme

RIP! a remix manisfesto (documentário sobre mashup que também discute a questão dos direitos autorais e supostas violações)

Questões jurídicas da fotocópia na universidade

Pirataria e a lei de direitos autorais

Pelo que entendi o Ministério da Cultura está discutindo uma revisão da lei de direitos autorais. Enquanto a gestão do Gilberto Gil estava mais aberta a flexibilizar as coisas, a nova gestão está tomando um rumo diferente, no sentido de punir e regulamentar o download (tem algum substantivo pra “baixar”?) de arquivos (videos, música, livros, etc). Pelo jeito, as coisas ficarão mais difíceis daqui pra frente. O acesso à cultura vai voltar para os poucos que podem pagar por ela. No fundo, o que esses órgãos todos (sindicatos de produtoras, sindicatos de músicos e compositores, editores, etc.) querem é voltar a encher suas burras de dinheiro. Filmes obscuros devem continuar a ser filmes obscuros, condenados ao limbo do esquecimento e das notas de rodapé. A indústria decide o que iremos ver, ouvir e ler. A menos é claro que os artistas tomem uma atitude e se rebelem contra as gravadoras (o que acho bem improvável). Lily Allen, que ficou famosa graças à internet, é contra o download ilegal (não é contraditório?). A questão não é simples, eu sei. Só que vai ficar complicado quanto limitarem a quantidade de downloads que a gente pode fazer, ou obrigarem os provedores a monitorar o que o usuário baixa.

Links para as várias matérias estão no Trabalho Sujo, do Alexandre Matias.

Sobre direitos autorais e o download de músicas e filmes

Em toda a discussão que leio sobre direitos autorais, muito poucas, discutem o que de fato está acontecendo. Tirando o filme “Steal this Film” (disponibilizado para ser baixado gratuitamente), ninguém toca na questão da mudança de paradigma na troca de informações. E é isso que de fato está acontecendo. Da posição irada do Metallica ao processar o Napster, aos processos que o Pirate Bay e o Mininova sofreram (dois grandes sites de hospedagem e compartilhamento de torrents), de um lado, temos do outro posições mais liberais. Francis Ford Coppola não se diz contra o download de filmes, várias bandas nacionais da nova geração disponibilizam seus discos para download (Mombojó, Móveis Coloniais de Acaju, duas que eu conheço e baixei); O ex-ministro da cultura Gilberto Gil foi um defensor da flexibilização dos direitos autorais; O Radiohead vende seus discos a preços abaixo do mercado, e quando lançou In Rainbows, deixou que os fãs pagassem o quanto quisessem pelo disco.

Os tempos são outros. A internet veio para ficar e faz parte de nossas vidas, queiram ou não. Com ela veio uma forma totalmente nova de consumir bens culturais. Os seriados, antes exclusivos das tevês pagas, agora estão disponíveis para quem se der ao trabalho de procurar e baixar. Nos Estados Unidos, dava para assistir os episódios anteriores de Lost no site da ABC.  Ou seja, mesmo o carinha lá distante na sua pequena cidade, com acesso à internet pode ver o seriado que quiser sem precisar esperar que ele seja veiculado na tevê, um ano depois, numa versão dublada e às três da manhã na globo. Além da comodidade de poder ver quantas vezes quiser, e quando quiser.

O mesmo vale para livros. Antes um pesquisador precisaria ter acesso à uma boa biblioteca para ter acesso aos principais Jornals internacionais. Agora, através do Portal de Periódicos da Capes, disponibilizado para praticamente todas as universidades do país (na FAFIUV não tem), o pesquisador pode acessar online e baixar para ler no seu computador e imprimir o artigo que quiser. A revista Language, uma das principais da área de linguística, tem digitalizado e de acesso livre todo o seu acervo quase centenário (basta ter acesso ao portal JSTOR, assinado também pelas bibliotecas universitárias). Livros que custam US$200 agora podem ser encontrados em sites como o library.nu. É violação de direito autoral baixar um livro do Chomsky sem tradução no país? Não acho. Assim como não acho que seja violação de direito autoral fotocopiar um artigo de livro para discutir com alunos de graduação. O conhecimento é para ser compartilhado, não vendido. Claro que o autor de um livro, que teve um baita trabalho para escrevê-lo, tem todo o direito de querer receber algum dinheiro por esse trabalho. Mas também acho que se esse pesquisador recebeu uma bolsa para produzir a pesquisa dele, é mais que natural que esse trabalho deva ser disponibilizado publicamente para a comunidade científica. Essa é a contraparte social do trabalho científico, divulgar o conhecimento. O semanticsarchive.net é uma ótima iniciativa nesse sentido. Artigos que de outra forma seriam inacessíveis para um brasileiro ou um linguista em um país distante, sem acesso aos anais de eventos americanos publicados em papel, tem acesso a artigos de outra forma inacessíveis.

Com a música também. Nos anos oitenta e noventa, ninguém discutia o compartilhamento de música via fita K7. Era super normal o carinha gravar as suas músicas favoritas do rádio ou pedir para o amigo gravar aquele vinil raro em K7. Nenhum blogueiro que compartilha música ganha com o compartilhamento. Isto é, cobra para você baixar a música. Se o cara é dedicado ao seu blogue pode no máximo conseguir algum dinheiro com banners de patrocinadores ou no Google AdSense. A iniciativa de deixar os fãs ouvir o disco online também é válida. Mas nada tira a comodidade de você poder ouvir seu artista favorito no carro ou no seu MP4, na academia ou no ônibus. Bandas, de outra forma obscuras e condenadas ao limbo, hoje podem ser ouvidas por alguém na China ou em Porto União ao mesmo tempo. A dancinha bizarra do Thom Yorke só virou a febre que virou porque o Youtube existe e o sujeito não ficou chateado de terem mexido no video original. Aliás, outra história interessante é a dos mashups. O mashup é, basicamente, a mistura de músicas. Colocar a letra de uma em cima da música da outra. Coisa que o Funk já faz há muito tempo. Por que um artisa milionário deveria se preocupar com isso? Ele deveria ficar feliz, já que no final das contas esse sistema só torna o artista mais conhecido. Se o cara gostar mesmo da banda vai comprar o disco, vai comparecer ao show, vai comprar produtos da banda.

Claro, ninguém nega que o artista, produtor, ou empresa que investiu dinheiro na produção de um produto cultural, queira ganhar dinheiro com o seu trabalho. Isso é natural e desejável. Mas os tempos são outros. E as estratégias de comercialização desses produtos também devem ser outras. O alto custo do produto também dificulta sua comercialização. Por que vou pagar R$50 por um cd ou filme que posso baixar de graça? Por que não posso baixar um filme obscuro francês dos anos 60 que de outra forma seria inacessível em DVD ou no cinema mais próximo?